As ondas gravitacionais no Conselho Europeu


Os problemas que afetam Portugal e o seu Orçamento não têm origem no Reino Unido. Não o perceber, mais do que um erro de física, é um erro político.


O Conselho Europeu (CE) de ontem e de hoje tem na agenda o novo “acordo” com o Reino Unido (RU), os “migrantes”, a Síria/Líbia (para não se escrever Daesh) e o semestre europeu. Deixemos os dois últimos temas para uma próxima oportunidade e tentemos perceber quem defende o quê em relação aos dois primeiros.

Cameron quer fechar o “acordo” quanto antes, para poder ter uma campanha eleitoral curta até ao referendo (desejado para 23 de junho), deixando a discussão dos migrantes extracomunitários para o CE de 17 e 18 de março. Já esta noite, no regresso a casa, terá de definir os termos do exercício da “solidariedade governamental” durante a campanha do referendo. O facto de ter anunciado que não se recandidata a um terceiro mandato como PM irá motivar alguns colegas de governo e de partido (Boris Johnson já está em pré-campanha) para cavalgarem o movimento Brexit.

A Alemanha e a Áustria (e, de alguma forma, a Eslovénia e a Croácia) também não desejam misturar o Brexit com a questão dos migrantes extracomunitários, para não acicatarem a opinião pública interna. De caminho, inscreveram nas conclusões do CE esta nota otimista: “Os candidatos ao asilo não têm o direito de escolher o Estado a quem pedir asilo.”

Hollande (acompanhado discretamente por Bélgica e Luxemburgo, onde a integração dos estrangeiros também é um tema quente) irá produzir alguns ruídos guturais que mostrem desconforto com as “cedências” ao RU (que são nenhumas), aguardará serenamente pela aprovação das medidas antiabuso de apoios sociais e utilizá-las-á assim que disponíveis (a minoria Rom será a primeira destinatária).

O grupo dos amigos do Reino Unido (Holanda, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Irlanda) subscreverá as posições britânicas em matéria de mercado interno, desburocratização, abuso de apoios sociais por parte dos migrantes e, no caso da Suécia e da Dinamarca, também quanto ao euro.

O grupo de Visegrado (Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria) tem de gerir de forma criativa uma contradição: por um lado, defendem a liberdade de circulação de trabalhadores comunitários (em particular, a Polónia) e, por outro, contam com o RU para ter uma posição de força no controlo da fronteira externa e de rejeição de quotas na distribuição de requerentes de asilo. A Polónia parece contentar-se com a não retroatividade das normas antiabuso de apoios sociais, que não se aplicariam à vasta comunidade polaca já instalada no RU. Abandonando a negociação, o novo governo polaco decidiu anunciar pela boca do seu MNE que a prioridade da política externa seria o posicionamento na Polónia de forças da NATO em prevenção contra o expansionismo russo.

Os restantes Estados a leste seguem a linha do grupo de Visegrado, com destaque para os fornecedores de mão-de- -obra, Roménia e Bulgária. Os mais receosos das diatribes de Putin (Estónia, Letónia e Lituânia) encostar-se-ão ao discurso do novo governo polaco, mesmo que se sintam mais confortáveis com o recente anúncio de quadruplicação da despesa dos EUA com as suas forças militares na Europa.

A Grécia (com Chipre) e a Itália (com Malta) tentarão antecipar alguma da discussão relativa ao controlo da fronteira externa da UE, de cuja porosidade são as principais vítimas. Esta semana, a ameaça de expulsar a Grécia do espaço Schengen obrigou Tsipras a instalar, finalmente, centros de registo de migrantes.

A Espanha estará ainda com um governo de gestão, mas não será um qualquer novo governo que se irá afastar do consenso nacional de defesa da fronteira externa (Ceuta e Melilla) e de aproveitamento da mão-de-obra agrícola barata proveniente de África.

António Costa terá o seu primeiro Conselho Europeu a sério e, como tal, terá de tratar do que não está na agenda oficial: lóbi em defesa do Orçamento que apresentou. Ontem reuniu com Juncker, o que ajuda a manter em sentido alguma da burocracia menor da Comissão Europeia, e quero crer que a mesma mensagem tenha sido passada noutras reuniões bilaterais. Algumas almas piedosas insinuaram a possibilidade de Portugal dificultar o acordo com o RU para obter uma flexibilidade acrescida na compreensão do Orçamento luso. São duas negociações completamente diferentes: uma dentro da zona euro (que o RU não integra); e outra, uma ficção para consumo interno (o Brexit). As ondas gravitacionais que afetam Portugal e o seu Orçamento não têm origem no RU. Não o perceber, mais do que um erro de física, é um erro político.

Na sua recente deslocação à Alemanha, Costa tentou fazer o linkage entre a crise do euro e a crise dos refugiados, defendendo o recurso a mecanismos de solidariedade como solução para ambas. É um discurso que merece ser repetido, na esperança de que a Alemanha considere que a mutualização da gestão dos refugiados abre o caminho para a mutualização das dívidas dos Estados da zona euro (e para o fim das políticas económicas pró-cíclicas). A sra. Merkel talvez esteja disponível para ser convencida, mas não a opinião pública alemã e muito menos os Estados-membros a leste.


As ondas gravitacionais no Conselho Europeu


Os problemas que afetam Portugal e o seu Orçamento não têm origem no Reino Unido. Não o perceber, mais do que um erro de física, é um erro político.


O Conselho Europeu (CE) de ontem e de hoje tem na agenda o novo “acordo” com o Reino Unido (RU), os “migrantes”, a Síria/Líbia (para não se escrever Daesh) e o semestre europeu. Deixemos os dois últimos temas para uma próxima oportunidade e tentemos perceber quem defende o quê em relação aos dois primeiros.

Cameron quer fechar o “acordo” quanto antes, para poder ter uma campanha eleitoral curta até ao referendo (desejado para 23 de junho), deixando a discussão dos migrantes extracomunitários para o CE de 17 e 18 de março. Já esta noite, no regresso a casa, terá de definir os termos do exercício da “solidariedade governamental” durante a campanha do referendo. O facto de ter anunciado que não se recandidata a um terceiro mandato como PM irá motivar alguns colegas de governo e de partido (Boris Johnson já está em pré-campanha) para cavalgarem o movimento Brexit.

A Alemanha e a Áustria (e, de alguma forma, a Eslovénia e a Croácia) também não desejam misturar o Brexit com a questão dos migrantes extracomunitários, para não acicatarem a opinião pública interna. De caminho, inscreveram nas conclusões do CE esta nota otimista: “Os candidatos ao asilo não têm o direito de escolher o Estado a quem pedir asilo.”

Hollande (acompanhado discretamente por Bélgica e Luxemburgo, onde a integração dos estrangeiros também é um tema quente) irá produzir alguns ruídos guturais que mostrem desconforto com as “cedências” ao RU (que são nenhumas), aguardará serenamente pela aprovação das medidas antiabuso de apoios sociais e utilizá-las-á assim que disponíveis (a minoria Rom será a primeira destinatária).

O grupo dos amigos do Reino Unido (Holanda, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Irlanda) subscreverá as posições britânicas em matéria de mercado interno, desburocratização, abuso de apoios sociais por parte dos migrantes e, no caso da Suécia e da Dinamarca, também quanto ao euro.

O grupo de Visegrado (Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria) tem de gerir de forma criativa uma contradição: por um lado, defendem a liberdade de circulação de trabalhadores comunitários (em particular, a Polónia) e, por outro, contam com o RU para ter uma posição de força no controlo da fronteira externa e de rejeição de quotas na distribuição de requerentes de asilo. A Polónia parece contentar-se com a não retroatividade das normas antiabuso de apoios sociais, que não se aplicariam à vasta comunidade polaca já instalada no RU. Abandonando a negociação, o novo governo polaco decidiu anunciar pela boca do seu MNE que a prioridade da política externa seria o posicionamento na Polónia de forças da NATO em prevenção contra o expansionismo russo.

Os restantes Estados a leste seguem a linha do grupo de Visegrado, com destaque para os fornecedores de mão-de- -obra, Roménia e Bulgária. Os mais receosos das diatribes de Putin (Estónia, Letónia e Lituânia) encostar-se-ão ao discurso do novo governo polaco, mesmo que se sintam mais confortáveis com o recente anúncio de quadruplicação da despesa dos EUA com as suas forças militares na Europa.

A Grécia (com Chipre) e a Itália (com Malta) tentarão antecipar alguma da discussão relativa ao controlo da fronteira externa da UE, de cuja porosidade são as principais vítimas. Esta semana, a ameaça de expulsar a Grécia do espaço Schengen obrigou Tsipras a instalar, finalmente, centros de registo de migrantes.

A Espanha estará ainda com um governo de gestão, mas não será um qualquer novo governo que se irá afastar do consenso nacional de defesa da fronteira externa (Ceuta e Melilla) e de aproveitamento da mão-de-obra agrícola barata proveniente de África.

António Costa terá o seu primeiro Conselho Europeu a sério e, como tal, terá de tratar do que não está na agenda oficial: lóbi em defesa do Orçamento que apresentou. Ontem reuniu com Juncker, o que ajuda a manter em sentido alguma da burocracia menor da Comissão Europeia, e quero crer que a mesma mensagem tenha sido passada noutras reuniões bilaterais. Algumas almas piedosas insinuaram a possibilidade de Portugal dificultar o acordo com o RU para obter uma flexibilidade acrescida na compreensão do Orçamento luso. São duas negociações completamente diferentes: uma dentro da zona euro (que o RU não integra); e outra, uma ficção para consumo interno (o Brexit). As ondas gravitacionais que afetam Portugal e o seu Orçamento não têm origem no RU. Não o perceber, mais do que um erro de física, é um erro político.

Na sua recente deslocação à Alemanha, Costa tentou fazer o linkage entre a crise do euro e a crise dos refugiados, defendendo o recurso a mecanismos de solidariedade como solução para ambas. É um discurso que merece ser repetido, na esperança de que a Alemanha considere que a mutualização da gestão dos refugiados abre o caminho para a mutualização das dívidas dos Estados da zona euro (e para o fim das políticas económicas pró-cíclicas). A sra. Merkel talvez esteja disponível para ser convencida, mas não a opinião pública alemã e muito menos os Estados-membros a leste.