Eis como de uma penada se desloca o foco do conteúdo para a forma. Enquanto não chega o debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado para 2016, para sabermos efetivamente com o que podemos contar, o tema é o da comunicação do governo. É má comunicação defender a previsibilidade e aumentar os combustíveis à socapa, de um dia para o outro, pela calada de uma portaria do governo.
É da história da nossa democracia que a direita sempre foi mais eficaz a construir imagens da esquerda no poder, quantas vezes com a ajuda dos comunistas, especialistas em propaganda formatada e cristalizada. Na rotulagem da ação governativa, a direita e os setores instalados à mesa do sistema têm sido mais eficazes, porque não olham a meios e contam com uma predisposição social para haver mais exigência e mais escrutínio com os governos de esquerda.
É dos livros que, com o atual nível de escrutínio, de canais de comunicação e de volatilidade da corrente de acontecimentos e de notícias, não há nenhum primeiro-ministro que consiga carregar às suas costas toda uma estratégia de comunicação de um governo – seja presencialmente ou através de vídeos. Aliás, a banalização dos instrumentos de comunicação, como no passado aconteceu com as cartas aos eleitores, belisca a sua eficácia. A certa altura, já ninguém liga e passa a ser uma mera nota mediática de rodapé. Não há milagres e a tentação verborreica de alguns sobrepõe-se sempre à estratégia de comunicação estruturada. Acresce que, na atual situação política, existem acrescidos custos de contexto relacionados com a disputa da marcação da agenda política e mediática pelos partidos que apoiam o governo no parlamento e com as intervenções constantes das instituições europeias e de outros organismos internacionais.
A verdade é que o novo ciclo político, em que se procuram reverter alguns dos caminhos de austeridade percorridos nos últimos anos, é marcado por uma competição generalizada para cada um lutar pela sua verdade, o que nem sempre tem correspondência com a realidade.
Foi prometida previsibilidade e todos os dias há novidades que desestabilizam o horizonte das nossas vidas, das empresas e dos investidores. Quando o Orçamento do Estado para 2016 entrar em vigor, já decorreu um quarto do ano e, no entanto, a proposta orçamental já teve duas erratas e anunciam–se alterações ou tentativas de alterações pela maioria que apoia o governo do PS.
Foram prometidas transparência e verdade que são incompatíveis com a surpresa pública da presença dos chineses no capital da TAP e com a incapacidade para, alterada a privatização, se reverterem as opções estratégicas que estão a consolidar a estratégia de poder de Rui Moreira no Porto e a desistência do PS de ser alternativa ao que quer que seja naquele município.
Foi prometido que era tempo de unir os portugueses – não faz sentido tentar dividi–los entre os que fumam e os que não fumam, os que usam os transportes privados e os que andam de transportes públicos ou entre os que usam cartões e os que pagam as transações comerciais em nota.
Em matéria de comunicação do governo, há situações insuperáveis como a das circunstâncias da chegada ao poder e há as que são suscetíveis de serem modeladas por sua iniciativa, mas, por agora, o governo conta com uma oposição à direita próxima da irrelevância, com os interesses instalados algo expectantes e com um novo Presidente da República pseudocolaborante. Este tempo em suspenso permite-lhe ter condições para estruturar uma estratégia de comunicação com cabeça, tronco e membros, com calendário, com protagonistas que façam o trabalho de casa, com a distribuição de papéis em que, nas áreas financeiras e de geração de confiança, os titulares dos cargos não façam papel de trauliteiros, e com os canais adequados ao nosso tempo. A não ser assim, podem os megafones de todo mundo unir-se, mas o que é comunicado, como é dito e por quem é dito só pode correr mal. E, no entretanto, a oposição à direita organiza-se, a posição à esquerda continua a esticar a corda e os mercados e afins mantêm a pressão.
Quanto aos vídeos do primeiro-ministro, têm o mérito de retirar espaço a Marcelo Rebelo de Sousa, que andava com a ideia de ter uma TV em Belém. António Costa já tem uma em São Bento, por ora a comunicar a sua verdade sobre o Orçamento do Estado para 2016; resta saber se haverá continuidade para a explicação das opções políticas seguintes. Sim, porque a política precisa de ser explicada, transparente e verdadeira. Se assim for, o share da audiência será positivo; senão, ela procurará outros canais de comunicação e outros entertainers. Bem sei que é de outros tempos, mas entre o TINA (there is no alternative) turn e a Tina Turner, a opção será óbvia.
NOTA FINAL
Nunca haverá avanços civilizacionais progressistas se continuarmos a ter a justiça numa lástima e o Estado continuar a falhar nas situações-limite da vivência social em que, estando identificados os riscos de violência ou de abuso sexual sobre crianças, as situações acabam por ter como fim mortes como as da praia de Caxias. É sempre mais fácil falar do que fazer, mas o erro e o laxismo, aqui, paga-se muito caro, com a vida ou com traumas para sempre.
Membro da comissão política nacional do PS
Escreve à quinta-feira