A troca de palavras entre José Sócrates e o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que levou à instauração de um inquérito ao procurador, fez eco internacional. Nas últimas semanas, chegaram ao gabinete de António Ventinhas várias cartas manifestando “solidariedade” e repulsa contra a “censura” de que o magistrado estará a ser alvo. A posição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) levou juízes e procuradores de vários países europeus a criar uma corrente de apoio.
Os episódios que despoletaram esta onda de solidariedade aconteceram no final de 2015 e explicam-se em poucas linhas. José Sócrates acusou o Ministério Público de conduzir uma “perseguição pessoal” contra si e apontou responsabilidades à Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, pela forma como a “Operação Marquês” está a ser conduzida pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal. António Ventinhas reagiu, para dizer que a opinião do ex-primeiro-ministro é “uma narrativa sem qualquer suporte de realidade”. Mas disse mais: Ventinhas referiu que “o principal responsável pela existência” do processo tem um nome, José Sócrates, “porque se não tivesse praticado os factos ilícitos, este processo não teria acontecido”. Foi este o ponto que levou a defesa do ex-primeiro-ministro a recorrer para o CSMP, pedindo um inquérito contra o presidente do SMMP.
E o Conselho Superior acedeu. Há um mês, o órgão presidido por Joana Marques Vidal anunciava a instauração de um inquérito para apurar se haveria ou não responsabilidade disciplinar a imputar a António Ventinhas.
Onda de solidariedade O processo foi entregue a Alípio Ribeiro, ex-diretor nacional na Polícia Judiciária e atual inspetor do Ministério Público. Ainda não produziu resultados internos, mas já provocou ondas de choque fora de fronteiras.
Da Turquia – país onde os magistrados declarações “ameaçadoras” e “ofensivas” por parte de visados em casos de corrupção – chegaram mensagens subliminares contra a ingerência da classe política e lembretes ao Conselho Superior do Ministério para que cumpra as suas “responsabilidades constitucionais”. Numa carta endereçada a Ventinhas, o presidente Turkish Association of Judges and Prosecutors, Murat Arslan )A associação turca de juízes e procuradores), lembra que recai “sobre os ombros do CSMP uma responsabilidade institucional acrescida na proteção da independência e imparcialidade dos procuradores”.
Na carta, os magistrados turcos chamam os cidadãos portugueses à conversa, pedindo-lhes que “apoiem” os responsáveis pela aplicação da justiça em Portugal “na sua luta contra qualquer forma de influência indevida e de pressão. Especialmente aquela exercida por “políticos que tentam manipular casos relacionados com corrupção em que são visados”. O nome de José Sócrates nunca é mencionado, mas também não seria preciso para que a mensagem fosse percebida.
A defesa do ex-primeiro-ministro teve outra leitura do caso. Na exposição que fizeram ao CSMP, João Araújo e Pedro Delille acusaram o presidente do sindicato de “violar o direito à presunção de inocência” e de ofender Sócrates, ao insinuar tratar-se de um “ladrão”.
Ainda que mais concisa, a missiva da Association Syndicale des Magistrats (a associação sindical dos magistrados franceses) quis mostrar o seu “mais absoluto apoio” a Ventinhas. A presidente, Manuela Cadelli, vê “nos ataques” em que o procurador é visado “uma grave regressão democrática e uma ameaça à independência da justiça”.
O próprio presidente do grupo de Magistrados Europeus pela Democracia e pelas Liberdades (Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés) escreveu a António Ventinhas. Antes de garantir que o tema “José Sócrates” e CSMP vai ser levado ao próximo encontro de procuradores e magistrados, em Pisa, Itália, Gualtiero Michelini destacou a ideia de que “a autonomia e a independência dos procuradores e dos juízes não é um privilégio, mas um meio de preservar a democracia”.
Também os juízes da Bulgária e os magistrados gregos e espanhóis e se juntaram ao apelo do SMMP para que a decisão do Conselho Superior do Ministério Público não passasse em branco. Álvaro García Ortiz, presidente da Unión Progressista de Fiscales espanhóis, disse mesmo que os magistrados “têm direito a replicar e a ser escutados” quando os “poderosos” intervêm e que “nada do que aqui está em causa tem que ver com o objeto do processo” mas sim com “a manipulação que é necessário denunciar”. Tomar uma atitude é não apenas “necessário” mas também “obrigatório” e “legítimo” numa sociedade democrática.
As reações ao inquérito instaurado a Ventinha vieram de outros pontos, menos esperados. A lista que se opôs à atual direção do sindicato, liderada por Pina Martins, publicou um artigo esta semana, no blogue que alimenta, apelando à “unidade dos magistrados” contra um processo “sem precedentes”.