Andrzej Zulawski. A arte pela arte

Andrzej Zulawski. A arte pela arte


Morreu, aos 75 anos, o realizador de “O Importante é Amar”(1975) e de “Cosmos” (2015), vítima de um cancro prolongado. Um homem que nunca se vendeu.


Ainda que o nome seja de árdua pronunciação, não é por certo difícil de decorar. Andrzej Zulawski foi, até ao último momento, um homem de causa, um inconformado anti-hollywood, um reinventor do cinema europeu, uma bandeira do cinema polaco. O realizador morreu na madrugada de terça para quarta-feira devido a um cancro de longa data num hospital de Varsóvia, segundo anunciaram as autoridades polacas. Durante esta semana o seu filho, também cineasta, Xawery Zulawski antecipava o facto através da sua página de Facebook, onde escreveu que o seu pai estava no hospital “na fase terminal de um cancro” e que não havia grande espaço para esperanças.

Zulawski nasceu em 1940 na cidade de Lwów, atual Lviv, hoje situada em território ucraniano. No final dos anos 50, ainda com menos de 20 anos de idade, o polaco mudou-se para França a fim de iniciar os estudos de cinema. Posto isso regressou ao seu país natal onde se viria a tornar assistente de realização de Andrzej Wajda, um dos nomes maiores do cinema polaco, autor, por exemplo, de “Cinzas e Diamantes” (1958), no qual Zulawski participou como assistente. Não foi caso isolado, a aprendizagem com o mestre Wajda viria a repetir-se por mais uma ou duas vezes durante a década de 60, até chegar 1971, ano em que se estreou com “Trzecia czesc nocy” (“The Third Part of the Night”, é o seu título em inglês).

Estreia convincente que motivou nova obra, logo um ano depois, em “Diabel” (“The Devil”). Filme que o colocou na lista negra dos cineastas polacos, voz presente anti-regime, não tanto com uma componente social e de ativista mas antes pela sua forma de filmar, pelas histórias do pós-guerra, da invasão da Prússia à Polónia. Uma vez banido esse seu segundo filme, “Diabel”, Zulawski não vai de modas e regressa a França para fazer aquela que muitos consideram a ser a sua obra de referência: “O Importante é Amar” (1975), que tinha Romy Schneider como protagonista. Deve ter sido o romantismo francês que o fez largar as suas obras mais políticas, onde parecia querer explorar as atrocidades que o seu país, enquanto nação, foi sofrendo ao longo da sua história. A partir daqui Zulawski é sobretudo amor, ainda que nada linear, quase sempre controverso e, com o passar dos anos, cada vez mais surrealista. Foi por aqui também que conheceu Sophie Marceau, musa de quatro dos seus filmes e mulher de um dos seus filhos, Vincent. Viriam a separar-se em 2001.

Curiosamente ou talvez nem tanto não fazia um filme desde 2000, com “A Fidelidade”. Isto até o ano passado ter filmado “Cosmos”, uma coprodução luso-francesa, com selo Alfama Films e Leopardo Filmes, de Paulo Branco, que lhe valeu prémio para Melhor Realizador em Locarno. A propósito da obra, o i entrevistou Victoria Guerra, uma das protagonistas, que nos falou do processo de Zulwaski, em Agosto de 2015: “É muito difícil materializar o que é trabalhar com o Andrzej, é uma construção e desconstrução constante. Ele gosta de conhecer as pessoas, perceber de onde vimos, como pensamos. Não posso dizer que trabalha de uma forma específica, todos os dias é diferente, há uma ‘psicanálise’ contínua da parte dele que funciona muito bem. Perturbador é a melhor palavra para explicar a sua forma de trabalhar”, contou a atriz. “Cosmos” nunca chegou a ter distribuição nos EUA. Zulawski é isso mesmo.  

miguel.branco@ionline.pt