A Alemanha nazi. Esse é um dos maiores fascínios de Joana Ferrer Andrade. No seu gabinete, a juíza que está a julgar o caso de violência doméstica de Bárbara Guimarães contra Manuel Maria Carrilho chegou a ter penduradas imagens que retratavam algumas das personagens do período mais negro da história da Alemanha – uma adoração pública que causou incómodo entre alguns colegas e que levou a uma inspeção do Conselho Superior da Magistratura, na sequência de uma queixa. Resultado: Ferrer Andrade viu-se obrigada a retirar os quadros da parede. Mas manteve sempre intocada a “homenagem a todos aqueles que se opuseram” ao regime de Hitler.
Gosta de assistir aos jogos da seleção de futebol alemã no Goethe-Garten, com uma vista privilegiada sobre Lisboa. Há anos que aprende a língua de Wagner e sonha com o dia em que possa voltar à Alemanha para passar os seus dias – sente que transporta em si algo muito próprio que a liga àquele país do norte da Europa. A juíza Joana Ferrer Andrade, que na semana passada encostou Bárbara Guimarães às cordas no julgamento dos episódios de violência doméstica de que a apresentadora terá sido alvo, por parte de Manuel Maria Carrilho, mostra-se particularmente sensível a questões que envolvam a violação de “direitos humanos”.
“Sou como me mostro, de uma frontalidade que, admito, chocará alguns. Mas sem ‘zonas de sombra.’ É assim que sou: como pessoa e como juiz.” Joana Ferrer Andrade é pouco dada a cuidados com a sua imagem. Estas palavras, um desabafo em jeito de confissão, estavam publicadas, ontem à tarde, no perfil da magistrada, numa rede de contactos profissionais. E continuava: “Também eu, à minha pequena e humilde escala, não vim trazer paz, mas a espada. Acima de tudo, contra a soberba, o abuso, a ignorância e o preconceito que existem até onde seria suposto não existirem.”
O derrube de Hitler A juíza nunca escondeu a sua paixão pela Alemanha, algo que os colegas veem como o lado mais “esotérico” da magistrada. A língua (que estuda há mais de seis anos e na qual identifica uma “sonoridade única”), a história do país e, muito em particular, o período nazi – sente um fascínio pelas figuras que nesse tempo tentaram derrubar por dentro o regime de Adolf Hitler.
Joana Ferrer Andrade pouco se importou com o que pensavam dela nessa altura. Da mesma maneira que, nos últimos dias, pouca atenção terá prestado aos comentários e tomadas de posição de colegas pela forma como conduziu a primeira sessão do julgamento de Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho.
As mais duras vieram da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (instituição presidida pela juíza desembargadora Teresa Féria e de que Cândida Almeida é presidente da assembleia–geral). Em comunicado, os seus membros mostraram “preocupação” face às expressões usadas pela juíza, “pelo que estas revelam sobre a persistência de pré-juízos desconformes com o legalmente estipulado sobre o modo de agir com vítimas de violência doméstica”.
Considerada uma magistrada “muito experiente” pelos colegas – na última avaliação recebeu um “Bom, com distinção” -, a juíza está habituada a processos mediáticos que levem o seu nome até às páginas dos jornais (ver casos ao lado). Na “censura” que fez a Bárbara Guimarães em pleno julgamento, tal como na incredulidade pelos anos que a apresentadora levou a apresentar queixa, Joana Ferrer estaria a “testar” o testemunho da vítima – uma tática usada pelos magistrados para perceber quem está a “inventar” ou a “empolar” realidades e a que Ferrer Andrade também recorria. Ela, uma defensora da “disciplina” e do “rigor”.
Ativa nas redes sociais Filha de pai militar, Ferrer Andrade estudou Direito em Coimbra depois de ter passado pela Escola Secundária José Estêvão, em Aveiro. Estudou História, Filosofia e Francês (o fascínio pelo alemão só viria mais tarde).
Começou a carreira como juíza no Tribunal de Sintra, onde fez o estágio. Passou pelos Açores e acabou na instância criminal do Campus de Justiça, onde está há mais de oito anos e meio.
Adora animais – especialmente gatos – porque, “ao contrário de muitos humanos, não nos traem nem nos desiludem”. Vive com a Frida, a sua “pequena siamesa”, mas cuida de cerca de outros 20.
Outra das facetas de Joana Ferrer Andrade será o seu gosto por intervir publicamente. Em concreto, nas caixas de comentários da imprensa nacional, onde a magistrada partilha as suas saudades de Coimbra e homenageia o histórico socialista Almeida Santos.