Lembro-me de ver Donald Trump num ringue de luta livre em 2007. Apostara rapar o cabelo caso o seu lutador perdesse. Ganhou e quando saiu do evento choveram milhares de dólares para cima da audiência. Os locutores largaram os microfones para apanharem notas com o resto do povo. Foi a loucura.
Esse deslumbramento americano com os jatos privados, os divórcios caros, as operações plásticas e a xenofobia convicta supera qualquer consciência. Falamos de um homem que assume apenas reconhecer um valor: o dinheiro.
Um homem que não hesita em declarar falência quatro vezes, tendo ao mesmo tempo um património acumulado de quatro biliões de dólares. Um homem apoiado por Dennis Rodman, basquetebolista amigo do ditador da Coreia do Norte. Um homem que insulta veteranos de guerra, quando escapou polemicamente à recruta por três vezes.
Claro que o contribuinte americano prefere ignorar isso. Trump vai à frente nas sondagens e lida com a campanha como um reality show. Ignora as convenções e faz o maior estardalhaço possível para ganhar atenção. As massas adoram. Até lhe perdoam o comportamento chauvinista à melhor pivô da Fox News, o grande canal conservador.
A América – ou uma desvirtuada mística do sonho americano – gerou um populismo contrário ao europeu. Aqui vota–se em quem promete ajudar os mais pobres. Lá adora-se quem conseguiu ficar mais rico. O fenómeno seria improvável sem a vaga que surgiu contra o nepotismo das campanhas mais previsíveis. Não se quer um novo Clinton nem um novo Bush.
O eleitorado zangou-se com a ineficácia do Partido Republicano. O boicote do Congresso ao presidente saiu-lhe pela culatra. A direita precisa de algo novo e, se o Tea Party não foi a reação necessária, a consequência vai a outro extremo: Donald Trump.
Há também uma saturação no Partido Democrata. Ser mulher já não é suficientemente out-of-the-box. Se os cheques são a locomotiva de algumas campanhas da direita americana, a esquerda faz-se de modas. É uma volatilidade que facilmente se confunde com hipocrisia; veja–se a postura democrata em relação aos homossexuais.
Hoje, o verdadeiramente excecional é ser mais independente e menos centrista. Ted Cruz também é criatura desse ninho.
Em 2008, a esquerda venceu o tabu costumeiro ao eleger um presidente negro. Essa derrota racista sobrepõe-se à eventual vitória feminista. O triunfo de Hillary saberia a pouco. Agora, o desafio é mais drástico; ideológico, e não cultural. Eleger um socialista na América: Bernie Sanders.
Este desgaste do sistema bipartidário e a ascensão cósmica de Trump provocaram a sensação de que Bernie se trata de um anjo-da-guarda.
Todavia, federalizar as medidas sociais que Sanders implementou com relativo sucesso no seu estado daria em desastre. Colocar um idealista à frente da diplomacia americana seria um perigo para a segurança do resto do mundo. O suposto smart power de Obama foi uma pequena amostra do que a falta de realismo em política externa pode causar.
Em termos económicos, os acordos comerciais que a Casa Branca assinou com apoio republicano seriam ameaçados e não me parece que Bernie Sanders, com 73 anos de idade, chegue nesta vida à conclusão de que a liberalização do mercado favorece a democratização da sociedade.
O magnata e o senador são a surpresa das primárias para as presidenciais de 2016. A questão é até que ponto os excêntricos e pseudoindependentes, que se autoalimentam nas intenções de voto, são ameaça ao sistema político em vigor. Se a resposta será reforma ou implosão. Se a América sente maior medo de um palhaço ou de um socialista.