A perda da segurança no emprego, a certeza de que os filhos viverão pior do que nós, o fim do crescimento económico, o estar do lado dos perdedores no processo de globalização, o medo em relação às vagas de migrantes e aos atos de terrorismo multiplicados ad nauseam pelas televisões, o medo difuso, o medo concreto, o medo, os medos conduzem à perda de confiança nas instituições, ao ódio aos políticos, e despertam a vontade de praticar pequenos atos de vingança durante os processos eleitorais. Em Portugal, o voto de protesto teve manifestações recentes nas eleições presidenciais, em que os candidatos do sistema partidário tradicional ou não compareceram ou foram sumariamente executados (Maria de Belém, Edgar Silva). O mesmo irá acontecer com o referendo relativo ao Brexit, em que o voto inorgânico antissistema partidário se repetirá, como tem acontecido com o UKIP, projetado no passado pelo voto proporcional mas também pelas eleições, como as que elegem o Parlamento Europeu, em que o eleitor pode castigar os partidos tradicionais sem pagar um preço elevado.
Também nos EUA o medo revolucionou a escolha dos candidatos à presidência. O fim do sonho americano deu origem a duas respostas contraditórias e igualmente vazias: a repetição do mantra da vitória com Trump e o anúncio de uma revolução com Sanders. Em comum, a denúncia do “sistema” e o anúncio de um começar de novo.
Do lado republicano estão quase perdidas as esperanças de fabricar um candidato que respeite as orientações do partido e as primárias correm o risco de nem sequer escolher um candidato a vice-presidente para fazer um ticket com Trump.
Do lado democrata, o “sistema” ainda tem muitos trunfos que pode jogar contra Sanders. O “sistema” (o partido, os eleitos pelo partido, os sindicatos, os meios de comunicação social, os lóbis afro-americanos e hispânicos…) está, por enquanto, solidamente com Clinton. Sanders obteve bons resultados em dois microestados que escolhem poucas dezenas de delegados, muito longe dos estados que podem definir quem ganha (Texas, 252; Florida, 245; Nova Iorque, 271; Califórnia, 476; etc.). Fruto da conjugação destes dois fatores, Clinton controla, para já, a maioria dos superdelegados (membros do partido, aquilo que em Portugal seriam as “inerências” pardas), que votam livremente, não são eleitos em primárias ou escolhidos em caucuses.
As próximas semanas trarão as primárias para o Sul, onde o voto étnico deverá ser fiel aos Clinton e onde Sanders é menos conhecido do que no New Hampshire. E chegados ao dia 1 de março, a Super Tuesday, entrarão em jogo a lei dos grandes números e a dispersão geográfica. Se Sanders conseguir manter os bons resultados, então a campanha terá de ir mais longe do que a disputa do título de mais “progressista”. Valerá a pena lembrar que Sanders se assume como “socialista” num país em que o epíteto “liberal”, sendo considerado menos ofensivo, corresponde ao que em Portugal seria uma mistura entre Manuel João Vieira e Domingos Abrantes. Ninguém nos EUA sabe o que é um socialista e não serei eu a declarar que Sanders não o seja. Mas não deixa de ser esclarecedor que Sanders, nascido em 1941, capte mais de 85% do voto daqueles que têm menos de 35 anos e igual percentagem do voto feminino. E que os seus apoiantes publicitem o candidato no Tinder, onde conta dezenas de milhares de visualizações.
Os tempos estão maus para os Clinton. Será que já estarão de feição para Michael Bloomberg, que foi democrata, passou a republicano e se anuncia agora como independente?