Olha bem para ti


“Olha bem para ti”, dizem-te com arrogância, mirando-te de cima a baixo e parando o olhar na linha solta da tua velha blusa. Não lhes disseste que a blusa te foi oferecida, mas eles advinham.


“Olha bem para ti”, dizem-te. E tu olhas e também reparas nessa linha solta e enervante. “Olha bem para ti.” Antes de responderes, cortas a linha com os dentes e ficas com ela colada ao lábio. Mas mesmo assim, manténs-te absolutamente confiante. Poderias não responder. Poderias sair da conversa, toda ofendida, toda cheia de razão, mas decides ficar. E olhas para ti, agora sem a linha pendurada na blusa e sem desconfiares que a tens na boca, e olhas para quem te mandou olhar para ti. E não tremes com as comparações. Sabes que eles se sentem em vantagem em relação a ti. São mais velhos, mais capazes, mais cultos que tu. Têm a vida “chapada” no currículo. Sabes disso tudo. Mas manténs–te confiante e ainda não reparaste na linha que tens colada ao lábio. Fazem-te perguntas: “Onde estarás daqui a cinco anos?” Não fazes a mínima ideia. Tomaras tu saber onde é que estarás amanhã. Manténs-te firme. Assumes o que não sabes. “Olha bem para ti. Nunca foste uma aluna excelente e estás aí, cheia de moral e de vontade de fazeres coisas fantásticas.” Moral. Lembras-te que era a Moral que tinhas a melhor nota, por ser tão fácil a disciplina, e voltas a concentrar-te. Não, não vais negar, não eras uma excelente aluna, mas adoravas a escola e deste o teu melhor. Eles acham que nunca serás capaz. Acham–te demasiado simples e a tua blusa comprova isso mesmo. Mas manténs-te firme. Os pés até te podem doer, porque os sapatos também não são novos, mas continuam firmes na terra. Sabes o que queres. Ouviste tantos nãos que estás completamente blindada e não morres se ouvires mais um. Porque também sabes que o sim virá e, que se não vier, tu hás de inventá-lo. Lembras-te da notícia que leste há pouco: Ibongile Sambo tinha o sonho de ser assistente de bordo, mas não tinha altura suficiente, acabando por ser rejeitada pela companhia. O que fez ela? Fundou a sua própria companhia aérea. Sorris. Não vais fundar nenhuma companhia porque detestas andar de avião e ainda tens medo de andar no “Grilo”, o carrossel da feira de maio. Mas vais fundar o teu sim. “Olha bem para ti”, e tu olhas bem para ti. Olhas tão bem, tão a fundo, ao ponto de conseguires ver o teu coração. Bate com força. Bate com tanta força. Bate com mais força. Olhas bem para ti. E vês do que és feita, vês o quão cresceste, vês o que já ultrapassaste. Vês tudo tão bem, só não vês a linha solta que ainda está colada ao teu lábio. “Olha bem para ti.” E tu olhas, sem medo, sem vergonha, sem relutância. Olhas-te bem, olhas mesmo bem e nem te atreves a pestanejar. Porque sabes o trabalho que tens tido para construíres essa confiança, vontade, para teres um olhar saudável sobre ti mesma.

Ainda bem que nunca reparaste naquela linha solta, pendurada na tua velha blusa. Ter-te-ia arruinado a confiança, uma coisinha tão pequenina, teria arruinado a tua confiança. Porque são sempre as coisas pequenas que nos minam. Ainda bem que tens os sonhos suficientemente altos, a vontade suficientemente grande, para veres maior. Por um lado, as coisas pequeninas são, tantas vezes, as mais bonitas e, por outro, são também as coisas pequeninas as mais cruéis. E no meio disso tudo são sempre as pessoas mais pequeninas que te fazem duvidar.

“Olha bem para ti.” Tu olhas. E nem te atreves a pestanejar – porque sabes que um dia fundarás o teu sim.

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Olha bem para ti


“Olha bem para ti”, dizem-te com arrogância, mirando-te de cima a baixo e parando o olhar na linha solta da tua velha blusa. Não lhes disseste que a blusa te foi oferecida, mas eles advinham.


“Olha bem para ti”, dizem-te. E tu olhas e também reparas nessa linha solta e enervante. “Olha bem para ti.” Antes de responderes, cortas a linha com os dentes e ficas com ela colada ao lábio. Mas mesmo assim, manténs-te absolutamente confiante. Poderias não responder. Poderias sair da conversa, toda ofendida, toda cheia de razão, mas decides ficar. E olhas para ti, agora sem a linha pendurada na blusa e sem desconfiares que a tens na boca, e olhas para quem te mandou olhar para ti. E não tremes com as comparações. Sabes que eles se sentem em vantagem em relação a ti. São mais velhos, mais capazes, mais cultos que tu. Têm a vida “chapada” no currículo. Sabes disso tudo. Mas manténs–te confiante e ainda não reparaste na linha que tens colada ao lábio. Fazem-te perguntas: “Onde estarás daqui a cinco anos?” Não fazes a mínima ideia. Tomaras tu saber onde é que estarás amanhã. Manténs-te firme. Assumes o que não sabes. “Olha bem para ti. Nunca foste uma aluna excelente e estás aí, cheia de moral e de vontade de fazeres coisas fantásticas.” Moral. Lembras-te que era a Moral que tinhas a melhor nota, por ser tão fácil a disciplina, e voltas a concentrar-te. Não, não vais negar, não eras uma excelente aluna, mas adoravas a escola e deste o teu melhor. Eles acham que nunca serás capaz. Acham–te demasiado simples e a tua blusa comprova isso mesmo. Mas manténs-te firme. Os pés até te podem doer, porque os sapatos também não são novos, mas continuam firmes na terra. Sabes o que queres. Ouviste tantos nãos que estás completamente blindada e não morres se ouvires mais um. Porque também sabes que o sim virá e, que se não vier, tu hás de inventá-lo. Lembras-te da notícia que leste há pouco: Ibongile Sambo tinha o sonho de ser assistente de bordo, mas não tinha altura suficiente, acabando por ser rejeitada pela companhia. O que fez ela? Fundou a sua própria companhia aérea. Sorris. Não vais fundar nenhuma companhia porque detestas andar de avião e ainda tens medo de andar no “Grilo”, o carrossel da feira de maio. Mas vais fundar o teu sim. “Olha bem para ti”, e tu olhas bem para ti. Olhas tão bem, tão a fundo, ao ponto de conseguires ver o teu coração. Bate com força. Bate com tanta força. Bate com mais força. Olhas bem para ti. E vês do que és feita, vês o quão cresceste, vês o que já ultrapassaste. Vês tudo tão bem, só não vês a linha solta que ainda está colada ao teu lábio. “Olha bem para ti.” E tu olhas, sem medo, sem vergonha, sem relutância. Olhas-te bem, olhas mesmo bem e nem te atreves a pestanejar. Porque sabes o trabalho que tens tido para construíres essa confiança, vontade, para teres um olhar saudável sobre ti mesma.

Ainda bem que nunca reparaste naquela linha solta, pendurada na tua velha blusa. Ter-te-ia arruinado a confiança, uma coisinha tão pequenina, teria arruinado a tua confiança. Porque são sempre as coisas pequenas que nos minam. Ainda bem que tens os sonhos suficientemente altos, a vontade suficientemente grande, para veres maior. Por um lado, as coisas pequeninas são, tantas vezes, as mais bonitas e, por outro, são também as coisas pequeninas as mais cruéis. E no meio disso tudo são sempre as pessoas mais pequeninas que te fazem duvidar.

“Olha bem para ti.” Tu olhas. E nem te atreves a pestanejar – porque sabes que um dia fundarás o teu sim.

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