Foi Carnaval… ninguém leva a mal


Confesso gozo pessoal em ver a figura e o papel de “soutien”, perdão, de suporte do governo de algumas personalidades que outrora estavam conformadas com os estragos da direita e eram implacáveis com o PS. Um desvio ao prometido é agora uma questão de perspetiva, quase tudo é um mal menor e até os rótulos…


Agora que passou o Carnaval, aquele tempo em que se espera que ninguém leve a mal, em condições normais estaríamos com todos os focos de atenção sobre o Orçamento do Estado se não tivesse sido lançado o tema fraturante da eutanásia e não fossem tentadas outras cortinas. Num país incapaz de assegurar condições dignas de vida a demasiados cidadãos e sem uma rede razoável de cuidados paliativos, não me choca que se possam criar condições para que a morte, quando inevitável, tenha a dignidade que a vida muitas das vezes não tem. Dito isto, por muito que custe a quem exercita a ganância pela marcação da agenda mediática, o desvio das atenções gerais e o oportunismo político, afastemos os confetes e as máscaras para o que conta para a vida das pessoas.

Depois de quatro anos de austeridade sem limites dos governos da direita, com Orçamentos do Estado e orçamentos retificativos, sem pingo de respeito pela dignidade humana e com resultados com a solidez de um castelo de cartas, o Orçamento do “virar de página da austeridade” surge com um novo e cabeçudo aumento de impostos. Mais um!

Foi Carnaval, mas poucos acreditarão que um aumento de impostos nos combustíveis ou os 4% de imposto do selo nas comissões dos pagamentos com cartões nos estabelecimentos comerciais não sejam projetados nos preços dos produtos e dos serviços adquiridos pelos cidadãos. A carga fiscal é inferior à prevista por Passos e Portas para 2016, mas é superior à aplicada em 2015.

Foi Carnaval e alguns até podem acreditar que parte da solução seja mesmo o recurso aos transportes públicos, a redução do consumo de tabaco – para os que fumam – e a moderação do recurso ao crédito. O problema é que, depois da primeira leva de reversões governativas que projetaram o facilitismo e destruíram a predisposição para a partilha de recursos, a resposta do governo às dúvidas e à contestação não pode ser uma versão modelada do “não sejam piegas”. Como dizia António Costa em 2014, “se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou”. Mas se nas palavras até há sintonias, nas soluções, sem cuidarmos da sua sustentabilidade, as orientações são diversas. Apesar de não ser fácil explicar como se conseguirá fazer mais com menos, quando se anuncia a redução dos horários do setor público para as 35 horas semanais sem contemplar aumento de despesa. Nem mais com menos, nem mais com o mesmo.

Foi Carnaval e alguns até podem ter acreditado na rábula da negociação do Orçamento com Bruxelas, como se a Europa se pudesse permitir destruir o mito do bom aluno da austeridade que alimentou durante quatro anos, instabilizar Portugal quando a Espanha está no estado em que está e aduzir mais um problema aos que já tem (Reino Unido, nacionalismos, refugiados). O normal é que se exija mais a Bruxelas quando a receita aditivada de austeridade deu resultados tão frágeis. A proposta de Orçamento até pode ser filha de pai incógnito, mas é o nado que era expectável no quadro do funcionamento das instituições europeias, dos compromissos políticos do PS com o Bloco de Esquerda, com o PCP e com o PEV e da realidade concreta. É inacreditável que ninguém, no governo e nos partidos que o apoiam, perfilhem o produto final sem esboçarem um “mas”. No limite, o Orçamento para 2016 nunca ficará órfão nem terá pais incógnitos, será sempre objeto de coadoção pela maioria de governação e por Bruxelas.

Este Orçamento com aumento de impostos não é o que os portugueses estavam à espera em função da narrativa eleitoral.

Este Orçamento, apesar da carga fiscal, é diferente daquele que a direita faria.

Este Orçamento exige um esforço redobrado de pedagogia, de rigor na execução e de combate político com a direita, ainda atordoada com as legislativas, que é incompatível com as nuances sobre as 35 horas, as variações sobre as pieguices passadas ou os disparates do género “quem tem 2 mil euros de rendimento tem uma posição privilegiada”.

Na redução do IVA da restauração e na reversão da TAP, as soluções não foram as prometidas em campanha eleitoral, mas são melhores que as anteriores.

Agora é tempo de trabalhar para que cada um assuma as suas responsabilidades, para que o Estado assuma as suas e para que se consiga recuperar a confiança beliscada com algumas opções e com algumas reversões. A retração dos investidores, as apreensões dos consumidores e as redobradas cautelas dos cidadãos, próprias de outros carnavais, estão aí. Foi Carnaval, ninguém levou a mal, mas agora chega.

Membro da comissão política nacional do PS Escreve à quinta-feira


Foi Carnaval… ninguém leva a mal


Confesso gozo pessoal em ver a figura e o papel de “soutien”, perdão, de suporte do governo de algumas personalidades que outrora estavam conformadas com os estragos da direita e eram implacáveis com o PS. Um desvio ao prometido é agora uma questão de perspetiva, quase tudo é um mal menor e até os rótulos…


Agora que passou o Carnaval, aquele tempo em que se espera que ninguém leve a mal, em condições normais estaríamos com todos os focos de atenção sobre o Orçamento do Estado se não tivesse sido lançado o tema fraturante da eutanásia e não fossem tentadas outras cortinas. Num país incapaz de assegurar condições dignas de vida a demasiados cidadãos e sem uma rede razoável de cuidados paliativos, não me choca que se possam criar condições para que a morte, quando inevitável, tenha a dignidade que a vida muitas das vezes não tem. Dito isto, por muito que custe a quem exercita a ganância pela marcação da agenda mediática, o desvio das atenções gerais e o oportunismo político, afastemos os confetes e as máscaras para o que conta para a vida das pessoas.

Depois de quatro anos de austeridade sem limites dos governos da direita, com Orçamentos do Estado e orçamentos retificativos, sem pingo de respeito pela dignidade humana e com resultados com a solidez de um castelo de cartas, o Orçamento do “virar de página da austeridade” surge com um novo e cabeçudo aumento de impostos. Mais um!

Foi Carnaval, mas poucos acreditarão que um aumento de impostos nos combustíveis ou os 4% de imposto do selo nas comissões dos pagamentos com cartões nos estabelecimentos comerciais não sejam projetados nos preços dos produtos e dos serviços adquiridos pelos cidadãos. A carga fiscal é inferior à prevista por Passos e Portas para 2016, mas é superior à aplicada em 2015.

Foi Carnaval e alguns até podem acreditar que parte da solução seja mesmo o recurso aos transportes públicos, a redução do consumo de tabaco – para os que fumam – e a moderação do recurso ao crédito. O problema é que, depois da primeira leva de reversões governativas que projetaram o facilitismo e destruíram a predisposição para a partilha de recursos, a resposta do governo às dúvidas e à contestação não pode ser uma versão modelada do “não sejam piegas”. Como dizia António Costa em 2014, “se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou”. Mas se nas palavras até há sintonias, nas soluções, sem cuidarmos da sua sustentabilidade, as orientações são diversas. Apesar de não ser fácil explicar como se conseguirá fazer mais com menos, quando se anuncia a redução dos horários do setor público para as 35 horas semanais sem contemplar aumento de despesa. Nem mais com menos, nem mais com o mesmo.

Foi Carnaval e alguns até podem ter acreditado na rábula da negociação do Orçamento com Bruxelas, como se a Europa se pudesse permitir destruir o mito do bom aluno da austeridade que alimentou durante quatro anos, instabilizar Portugal quando a Espanha está no estado em que está e aduzir mais um problema aos que já tem (Reino Unido, nacionalismos, refugiados). O normal é que se exija mais a Bruxelas quando a receita aditivada de austeridade deu resultados tão frágeis. A proposta de Orçamento até pode ser filha de pai incógnito, mas é o nado que era expectável no quadro do funcionamento das instituições europeias, dos compromissos políticos do PS com o Bloco de Esquerda, com o PCP e com o PEV e da realidade concreta. É inacreditável que ninguém, no governo e nos partidos que o apoiam, perfilhem o produto final sem esboçarem um “mas”. No limite, o Orçamento para 2016 nunca ficará órfão nem terá pais incógnitos, será sempre objeto de coadoção pela maioria de governação e por Bruxelas.

Este Orçamento com aumento de impostos não é o que os portugueses estavam à espera em função da narrativa eleitoral.

Este Orçamento, apesar da carga fiscal, é diferente daquele que a direita faria.

Este Orçamento exige um esforço redobrado de pedagogia, de rigor na execução e de combate político com a direita, ainda atordoada com as legislativas, que é incompatível com as nuances sobre as 35 horas, as variações sobre as pieguices passadas ou os disparates do género “quem tem 2 mil euros de rendimento tem uma posição privilegiada”.

Na redução do IVA da restauração e na reversão da TAP, as soluções não foram as prometidas em campanha eleitoral, mas são melhores que as anteriores.

Agora é tempo de trabalhar para que cada um assuma as suas responsabilidades, para que o Estado assuma as suas e para que se consiga recuperar a confiança beliscada com algumas opções e com algumas reversões. A retração dos investidores, as apreensões dos consumidores e as redobradas cautelas dos cidadãos, próprias de outros carnavais, estão aí. Foi Carnaval, ninguém levou a mal, mas agora chega.

Membro da comissão política nacional do PS Escreve à quinta-feira