Eutanásia. Presidente Marcelo deve obrigar a referendo

Eutanásia. Presidente Marcelo deve obrigar a referendo


Presidente não pode convocar referendo, mas pode vetar a lei e fazer pressão para que ele se realize


Muito dificilmente haverá uma lei da eutanásia promulgada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa sem um referendo. Católico fervoroso, Marcelo ajudou a empurrar António Guterres para um referendo sobre o aborto em 1998 e deverá ter a mesma atitude em relação à eutanásia.

“Marcelo já fez doutrina em matérias de consciência”, aponta ao i uma fonte próxima do Presidente eleito, lembrando a importância que o então líder do PSD na oposição teve no referendo à interrupção voluntária da gravidez. Na altura havia uma maioria de esquerda no parlamento pronta a aprovar a despenalização do aborto, mas Rebelo de Sousa lançou a ideia do referendo e o primeiro-ministro Guterres – também ele profundamente católico – seguiu-lhe o mote.

Como Presidente da República, Marcelo não tem o poder de levar uma questão a referendo, mas pode não promulgar a lei da eutanásia e defender que seja referendada, na nota de veto com que devolveria ao parlamento a legislação. Mais: pode fazer uma comunicação ao país defendendo que essa auscultação será a melhor forma de resolver na sociedade portuguesa uma matéria tão complexa e que levanta tantas dúvidas.

De resto, na campanha eleitoral, Marcelo deixou tudo em aberto. “Eu teria de olhar para a lei e ver se, no quadro daquilo que eu entendo que é a conjugação da minha convicção, das minhas convicções, com a avaliação objetiva da realidade que ali me é apresentada, se justificava tomar uma posição positiva ou negativa”, disse à Renascença.

Referendo é polémico O referendo está, contudo, longe de ser uma solução pacífica sobre o assunto entre aqueles que assinam o manifesto “Direito a morrer com dignidade”. Alguns dos signatários ouvidos pelo i são mesmo contra a ideia de referendar um assunto de grande complexidade técnica, jurídica e ética.

É que o referendo levanta várias questões. Antes do mais, a decisão só será vinculativa caso haja uma percentagem de votantes superior a 50% nesse plebiscito. Mas há mais: uma vez referendada uma matéria, ela só poderá ser objeto de nova legislação através de um novo referendo. Ou seja, mesmo mudando a maioria na Assembleia da República, o tema fica “blindado” do ponto de vista legislativo até ser sujeito a nova consulta popular. Foi, de resto, isso que levou a que se fizesse em 2007 um novo referendo ao aborto que resultou na lei que hoje existe.

Outra questão complicada é a de saber o que perguntar. “São questões de filigrana”, aponta o vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves, sublinhando a complexidade técnica e jurídica do assunto, que é difícil de traduzir numa pergunta de “sim” ou “não”, como obriga um referendo.

“Há um princípio essencial que é o de que direitos fundamentais não se referendam. São da responsabilidade de quem legisla”, defende o deputado bloquista José Manuel Pureza, que é um dos signatários do manifesto que reclama soluções de morte assistida para doentes terminais em grande sofrimento. Pureza acredita que “um debate sério, sereno e rigoroso pode e deve ser feito no parlamento”, pelo que não será necessário um referendo.

“Os deputados têm legitimidade para legislar sobre esta matéria. Por alguma coisa existe uma democracia representativa”, argumenta outra das subscritoras do manifesto, Maria Antónia Almeida Santos, que acha difícil referendar um tema que “tem de ser analisado caso a caso e em que é muito difícil cada um de nós pôr–se na situação de quem está nesse sofrimento”.

Posição idêntica tem outra das signatárias do manifesto, a deputada social-democrata Paula Teixeira da Cruz. “O referendo não me repugna, mas não acho que seja essencial”, comenta ao i Teixeira da Cruz, que acha que “o debate está feito” no essencial e que há que decidir sobre “um direito reflexo do direito à vida que é o direito à morte com dignidade”.

A ideia de levar o assunto a referendo surgiu no comentário televisivo de Luís Marques Mendes na SIC, que – admitindo não ter “opinião formada sobre o assunto” e ter “muitas dúvidas” – defendeu que essa seria a melhor forma de conseguir “debate sereno, rigoroso e sem precipitações”.

“A ideia do referendo é um truque com três objetivos: esconder que se está contra o direito à morte assistida, levar as pessoas a discutir o referendo e não as problemáticas do fim de vida e, finalmente, continuar a adiar o problema”, denuncia João Semedo, da direção do movimento “Direito a morrer com dignidade”.

Mas Isabel Galriça Neto, médica e uma das maiores ativistas dos cuidados paliativos, não acha, contudo, que referendar a eutanásia seja a melhor solução. A deputada do CDS, que está contra a morte medicamente assistida, não tem a certeza de que um referendo seja a solução ideal para discutir um tema “tão complexo”.