Nunca usei guarda-chuva. Não condiz comigo – a nível estético – muito menos bate certo com a mania que tenho de deixar tudo em todo o lado, para o próximo agarrar. Aos 13 ou 14 anos a minha mãe obrigou-me a comprar um blazer e uma camisa bonita, e eu a resmungar – “Não posso ir com o meu casaco da Volcom, mãe?” – dizia em vésperas de um batizado que motivou o investimento. Não percebia.
A idade requer novas reflexões, se não queremos dar nas vistas o melhor é seguirmos os padrões que a sociedade nos indica, ou seja, se toda a gente vai de blazer para um casamento o burro é o tipo que vai de túnica. Depois de aceitar esta condição percebi que é essencial ter sempre um blazer no bolso. Coisa que não considerei na última passagem por Londres. Para além de ter ido em trabalho – igual a custos quase nulos – ainda tive tempo para ir visitar amigos. Tinha combinado com dois amigos jantar num sítio chique, ou, vá lá, bom. A Inês trabalha nos recursos humanos de uma cadeia de restaurantes de luxo do empresário – restaurateur, se preferir – chinês Alan Yau.
A Inês tinha marcado mesa para o The Duck and Rice, um restaurante onde o pato é o patrão. Isto apesar de estar em fase de testes, com um nível de trabalho praticamente absurdo, para a abertura do novo restaurante: Park Chinois. Estima-se que seja um dos restaurantes mais caros do mundo no que ao equipamento e instalações diz respeito. Já está a ver onde isto vai parar, certo? A chefe da Inês, quando esta a indagou se podia sair pois tinha mesa marcada no The Duck and Rice, disse-lhe: “Então eles que venham aqui jantar, ficam melhor servidos”. Aqui significa Park Chinois numa noite exclusiva para investidores nas vésperas da inauguração.
Até aqui, tudo bem. Eu e o João não sabíamos ao que íamos. E se o João ainda levou uma camisa já eu nem isso, pólo e casaco banal. A porta abre-se e todo um manual de procedimentos se vislumbra à minha frente. Há um rapaz para abrir a porta, um dos diretores da empresa vem receber-nos, uma das chefes de sala pendura-nos o casaco…isto já para não falar da porrada de investidores engravatados. Talvez o leitor não esteja a imaginar, mas pense em dois almadenses que gostam de hip-hop vestidos casualmente num cenário de luxo como este. Indicam-nos a mesa, “acena com a cabeça Miguel, faz o que a mãe te ensinou” como se isso chegasse pensava no segundo a seguir. Sentámo-nos numa mesa ao fundo, por trás da banda de jazz.
Os problemas começaram aí: estando nós a falar de um restaurante de luxo chinês não há cá talheres para ninguém, “vais ter que safar”, diz-me a Inês. Aquela divinal carbonara – que nos meteram no prato, sim são os garçons que nos servem, nunca o cliente – parecia uma luta de esgrima entre um homo sapiens e um prato. O cuidado foi extremo. Não bater com o copo em lado nenhum, ter o guardanapo no sítio – ou deverei dizer mini-endredom? – não comer demasiado rápido, não fazer barulho a mastigar, não beber o vinho francês mais caro que já provei de penálti – isto foi duríssimo. A refeição andou à volta das 500 libras, que não pagámos. Sorrir é o remédio, sempre a fingir ser peixe nesta água, embora todos percebessem que era afogamento certo. Comi como nunca apesar de ter passado a vergonha da minha vida. Da próxima vez que for a Londres – ou que sair de casa – levo um blazer. (Sabe o melhor disto tudo? Agora já sei que consigo comer com pauzinhos, ainda que em modo homo sapiens).