Busca e salvamento. “Entramos no mar quando toda a gente quer sair”

Busca e salvamento. “Entramos no mar quando toda a gente quer sair”


Portugal tem uma taxa de eficácia de salvamento em alto-mar de 97%. Apesar de este ser um número que põe o país no topo de uma lista mundial, não estamos a falar de um trabalho que vive de rankings. O i decidiu experimentar um dia de trabalho da equipa de Sesimbra e, apesar de ter…


Era o mais seguro e luxuoso dos navios de passageiros a sair para alto-mar, mas nem uns toques hollywoodescos foram suficientes para fazer frente a um iceberg em pleno oceano Atlântico. O naufrágio do Titanic fez 1514 mortes, mas as consequências foram além dos números que marcaram um dos desastres do século. O acidente levou a alterações profundas nas regulamentações marítimas, de maneira a garantir, por exemplo, mais botes salva-vidas a bordo. Até porque, apesar de o filme ter quase 20 anos, poucos se esquecem das imagens que mostravam a luta para não ficar a bordo de um navio destinado ao fundo do mar.

Mas esqueçamos o cenário catastrófico e foquemos as atenções numa simulação feita na Estação Salva Vidas de Sesimbra que, tanto quanto sabemos, tem um caminho livre de blocos de gelo imprevisíveis.

Ainda sem colete salva-vidas vestido, a segurança vem apenas das palavras de quem sabe. “A taxa de eficácia das nossas equipas é de 97%”, refere o comandante Paulo Vicente, e acrescenta: 98 em cada 100 pessoas vítimas de acidente no mar português são salvas. Respiramos fundo, mesmo sem garrafa de oxigénio, e agora sim, vestimos o colete salva-vidas. “A luta que travamos para que se use o colete é semelhante à que se travou para que o uso do cinto de segurança se tornasse comum”, conta o comandante, referindo a teimosia “das cabeças mais antigas”, que olham para o objeto como “algo para os fracos”. Na iminência de um contacto com a água, assumimos o nosso papel de principiante e nem hesitamos em seguir as ordens. “É só vestir como se fosse um casaco, apertar à frente entrelaçando as duas placas metálicas e ajustar às medidas do corpo.” Desta vez é o comandante Mário Pinto a dar as orientações, que seguimos à risca numa mistura entre olhos atentos e gestos menos seguros. “Assim está bem?” Mário dá um apertão e assegura: “Agora, sim.”

Sair para o mar “Quem vai ao mar avia–se em terra”, avisa o comandante Mário Pinto, e não se refere ao colete, que já está posto desde o início, mas sim ao rissol de carne que leva na mão. “Nunca sabemos quando voltamos”, acrescenta entre risos. Sendo assim, é melhor meter um snack extra na mochila e seguir caminho.

De terra passamos para bordo de um dos maiores navios portugueses. O Viana do Castelo foi construído em 2010 nos estaleiros para servir a fiscalização marítima e, apesar de grande parte do ano estar destacado para o combate ao tráfico, ao controlo da navegação – sim, também existe trânsito no mar – e à fiscalização das pescas, já teve um papel importante a nível internacional. “Participámos no salvamento de mais de 600 imigrantes que chegavam a Itália ilegalmente”, conta o comandante Jorge Chumbo, de peito feito.

Hoje, a missão está longe de ter destaque nas capas dos jornais e nem é digna de fotos que dão direito a prémios de jornalismo, mas não é por isso que a equipa de resgate nos encara com menos seriedade. “Preciso da vossa máxima atenção”, avisa o comandante Chumbo, em tom de ordem, “chegou a hora.”

A água, finalmente A hora é H, mas bem podia ser de H2O. Os passos decididos dos comandantes mostram que chegou o momento de simular o salvamento e testar tudo aquilo que foi anteriormente demonstrado em teoria. Para aumentar a veracidade do episódio, o comandante Mário Pinto lembra, com um ar sério que ainda não lhe tínhamos conhecido: “Entramos no mar quando toda a gente quer sair.”

Na busca por voluntários, desviamos o olhar e preferimos assumir o papel de salvadores, até porque, convenhamos, apesar do sol, continuamos a estar em fevereiro e, olhando em volta, veem-se demasiadas gaivotas em terra.

Apesar de não sairmos do Viana do Castelo, anotamos todas as indicações. Se já sabemos quase de cor as coordenadas dadas pelas hospedeiras nos aviões, não é todos os dias que temos alguém a mostrar os passos a dar caso o barco onde seguimos comece a afundar.

“Um braço cruzado à frente do peito, outro a tapar nariz e boca”, exemplifica o comandante, com gestos repetidos por uma plateia de olhos arregalados de quem está a ver tudo pela primeira vez. O salto é feito aproveitando a direção do vento, para que o corpo se afaste do navio. Já na água, é esperar que o colete se insufle sozinho e nadar de costas – o colete não permite fazer de outra forma – até ao bote salva-vidas.

Os voluntários que se atrevem nas águas frias de Sesimbra seguem à risca as indicações dadas neste guião feito por quem faz destas águas habitat natural. Tal como previsto, os “náufragos” estão a salvo e com disposição para usufruir do que o bote salva-vidas tem para oferecer. O círculo de borracha que se insufla em apenas 40 segundos esconde duas pagaias, kit de primeiros socorros – onde não faltam comprimidos para o enjoo -, bomba manual e kit de remendos para o caso de o barco perder ar, kit de pesca “para ocupar os tempos mortos”, brinca o comandante, e uma caixa de água e alimento concentrado em forma de barra proteica. “Parece um bocado de sabão”, comenta quem pega naquilo que serviria de alimento em caso de emergência. “Mas não é mau, sabe a bolacha”, experimenta um voluntário, empurrando a experiência com a água que vem dividida em saquinhos individuais.

Trabalho começa em terra É já em terra firme que o marinheiro Manuel Purificante lembra as suas histórias do mar. Depois de uma vida dedicada à pesca, há já dez anos que ocupa os dias a salvar quem pede ajuda nos mares das redondezas. As histórias mais marcantes vão-lhe saindo em poucas palavras e acompanhadas por um olhar de quem prefere deixar as memórias bem guardadas. “Agora já não faz impressão recolher cadáveres, mas no início…” A frase fica sem ponto final, assim como ficam todos os seus dias. “Isto é um horário das 9h às 18h, mas a verdade é que estamos sempre alerta”, conta. Como os pedidos de ajuda não chegam a ser diários, grande parte do trabalho faz-se na base. “Somos como os guarda-redes”, brinca o marinheiro, “podemos estar num jogo parado, mas se vem uma bola, temos de estar preparados para a defender.”