Os espetadores ou os leitores da peça de Tennessee Williams “Doce Pássaro da Juventude” tendem a ver Alexandra del Lago como a personagem principal e a juventude perdida que o título sugere como a sua. Mas talvez nem uma coisa nem outra sejam, realmente, assim. É verdade que Miss del Lago – ela mesma ou a sua personagem de disfarce, Princesa Kosmonopolis – já deixou para trás a juventude, e várias vezes na peça o lamenta. E também é verdade que parece que a peça, em especial a primeira parte, gira em seu redor e que o seu passado (luminoso) e o seu presente (sombrio) são os eixos principais da acção dramática. No entanto, olhando mais fundo, talvez se possa dizer que o problema de Miss del Lago (ou pelo menos o seu maior problema) não é exatamente o facto de a sua juventude pertencer ao passado. Ela foi uma vedeta, teve o seu tempo, brilhou. Mas o seu tempo passou, e ela não sabe ser outra coisa senão uma vedeta, senão brilhar daquela forma a que se habituou como se fosse a sua pele. Miss del Lago não existe enquanto tal, mas apenas como vedeta, e não tem outra pele, não tem um plano B. Esse é o seu grande e verdadeiro problema, não tanto o de caminhar para a velhice. A sua juventude em si mesma não é o que ela persegue, a sua juventude (doce pássaro) é apenas o tempo em que ela pôde ser a única coisa que sabe ser e que dá sentido à sua vida, uma vedeta. Não sabendo ser outra coisa, não sabe sair de cena, não sai bem, é empurrada, apodrece e afoga-se em comprimidos, álcool e gigolos; afoga-se em tristeza e em ridículo.
Já com Chance Wayne – o rapaz de vinte e muitos anos que a acompanha até St. Cloud (lugar-metáfora onde nascem e morrem as ilusões, entre um voo e outro do pássaro doce da juventude) – o problema é a própria juventude, ela mesma, sem tirar nem pôr. Ao contrário de Miss del Lago, ele nunca foi nada e nunca teve nada senão a sua juventude, que agora começa a declinar. E, com esse declínio, vai esmorecendo, não só a única coisa que ele alguma vez foi (jovem) e pôde oferecer, como sobretudo a esperança de alguma vez vir a ser algo mais do que isso. Chance Wayne é uma personagem bem mais triste do que Miss del Lago, a perda da juventude é para si bem mais grave do que para a mulher que o sustenta, pois enquanto que para ela a juventude é a recordação de alguma coisa que aconteceu e que brilhou, para Chance trata-se apenas da recordação do tempo das possibilidades, que nunca foram mais do que isso. Como no poema de Álvaro de Campos, ele não é nada, nunca será nada, mas à parte isso tem (tinha) em si todos os sonhos do mundo. E acaba por perceber que eles nunca se concretizarão. É por isso que ele é realmente o protagonista da peça e que a juventude perdida que o título sugere é, sobretudo, a sua. E é por isso que qualquer Chance Wayne acaba por ser muito mais triste, e muito mais perigoso, do que qualquer Miss del Lago, pois a esta falta apenas um plano B, enquanto que aquele nunca teve sequer um plano A.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira