A realpolitik é tão tramada que nem o KGB lhe vale


Muito do desgaste da política e dos políticos aos olhos dos cidadãos decorre das divergências entre o que é dito e o que é feito. 


Dizer uma coisa e fazer diferente é fatal para a confiança e para a credibilidade. A palavra dada deveria ter um valor próprio, imune às leituras de geometria variável ou ao choque da realidade. De muito pouco vale apregoar a redução do IVA na restauração quando depois poderá não ser bem assim.

Como é possível que não seja como sempre toda a gente entendeu que seria, com os cafés de Rui Nabeiro ou os vinhos do Dão a pagarem 13% de IVA? Como é compatível o “ virámos a página da austeridade” com mais austeridade, ainda que aplicada aos bancos, aos veículos automóveis e aos combustíveis? A resposta é simples: não o é. O drama é que este tipo de divergências, por serem previsíveis e expectáveis, minam a confiança e a sustentabilidade do sistema político e constituem-se em fator de degradação da Democracia. Não são nem coisas menores nem pormenores.

Só alguém desfasado da realidade, em Portugal e na Europa, podia achar que a negociação com Bruxelas sobre um instrumento fundamental da política do governo, o orçamento, não seria realizada num registo de grande tensão depois do enquadramento de reversão de medidas e de processos que foi criado. Só alguém com maturidade política pueril pode, perante a realidade, proclamar ser “perfeitamente possível que Bruxelas esteja a tentar tramar o governo” ou descobrir agora que “ a direita europeia acaba por ter uma força desmesurada na Comissão Europeia”. Bruxelas está a ser o que tem sido e, há muito, precisa de ser combatido. Um dos problemas deste tipo de protagonistas políticos é que faltaram ou falharam nos momentos cruciais.

Em 2014, nas eleições para o Parlamento Europeu, quando o desafio era construir uma maioria de esquerda na Europa que mudasse o rumo da construção europeia, que concretizasse uma inversão das políticas comunitárias e que não desaguasse na manutenção do poder da direita ou em acordos dos socialistas e sociais democratas europeus com essa mesma direita a troco de lugares, muitos ficaram em casa, estiveram mais interessados na intriga ou no boicote para que os resultados fossem negativos. Ainda assim, contra a direita coligada, o PS português ganhou as eleições europeias. A esmagadora maioria dos restantes partidos socialistas e socias democratas não fizeram o trabalho de casa e acabou reconduzida uma Comissão Europeia com a mesma matriz.

Ao longo dos últimos anos, em Portugal, na Espanha, na Grécia, no Reino Unido e na Dinamarca, a marca comum dos socialistas foi a da derrota nas eleições legislativas, que, sem soluções similares à adotada no nosso país, conduziu à posse de governos de direita e ao consequente reforço da direita nas instituições europeias, nomeadamente no Conselho Europeu.

Mesmo perante as dificuldades da governação, a menos que conste de algum anexo escondido da posição política conjunta do PS com o PCP – promoção da propaganda soviética-, é ridícula a comparação da União Europeia com uma “ União Soviética sem KGB”. Face à realpolitik das dificuldades da solução de governação adotada, da realidade da vida concreta dos portugueses e do funcionamento das instituições europeias, nunca haverá um KGB que nos valha. Até porque o Comité para a Segurança do Estado (KGB) só valia aos poderes instalados.

As dificuldades da realidade não justificam que se abdiquem dos valores, do senso ou do sentido da política para as pessoas. Fazê-lo é entrar no domínio do ridículo. Fatal quando se diz uma coisa e faz-se coisa diferente. Como diz o primeiro ministro António Costa “ palavra dada tem de ser palavra honrada”. O primeiro Orçamento de Estado de um governo com um programa que “vira a página da austeridade” tem de ser coerente: sem mais austeridade, leia-se sem aumento de impostos.

Três notas finais

CHUVA. Depois da rábula da devolução da sobretaxa, soube-se que, em outubro de 2015, os responsáveis da ANAC-Autoridade Nacional da Aviação Civil, entidade reguladora, aumentaram-se a si próprios em 150%. No caso do presidente, um aumento de 6.030 para 16.075 euros. Alguns membros da anterior maioria PSD/CDS, os do CDS, tiveram o seu momento “Cosme Machado” a tentar justificar o injustificável. Infelizmente, estas indignidades não são defeito, são feitio. Ou esqueceram-se dos 10.000 euros de salário do atual Presidente da RTP? Não vi clamor nacional sobre o tema como ocorreu com a subvenção dos políticos.

NEBULADO. Se se deixa à FENPROF e afins o anúncio de medidas do governo e se só os deputados do BE, do PCP e do PEV é que podem perguntar e requerer sem noção do compromisso político com o governo, aos deputados do PS e aos socialistas é acometido apenas o papel do aplauso de apoio? Com que custos políticos?

SOL. Esteve bem a Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, ao defender a reabertura de tribunais encerrados no âmbito da teimosia da anterior ministra, que encerrou e desclassificou 47 tribunais em 2014, e ao sustentar a solução de fazer deslocar os magistrados às localidades afetadas pelo mapa judiciário em vez de serem os cidadãos a fazerem esse corrupio no acesso à justiça. Não será como defendia António José Seguro, mas é melhor do que o defendido entretanto pelo PS.

Escreve às quintas feiras


A realpolitik é tão tramada que nem o KGB lhe vale


Muito do desgaste da política e dos políticos aos olhos dos cidadãos decorre das divergências entre o que é dito e o que é feito. 


Dizer uma coisa e fazer diferente é fatal para a confiança e para a credibilidade. A palavra dada deveria ter um valor próprio, imune às leituras de geometria variável ou ao choque da realidade. De muito pouco vale apregoar a redução do IVA na restauração quando depois poderá não ser bem assim.

Como é possível que não seja como sempre toda a gente entendeu que seria, com os cafés de Rui Nabeiro ou os vinhos do Dão a pagarem 13% de IVA? Como é compatível o “ virámos a página da austeridade” com mais austeridade, ainda que aplicada aos bancos, aos veículos automóveis e aos combustíveis? A resposta é simples: não o é. O drama é que este tipo de divergências, por serem previsíveis e expectáveis, minam a confiança e a sustentabilidade do sistema político e constituem-se em fator de degradação da Democracia. Não são nem coisas menores nem pormenores.

Só alguém desfasado da realidade, em Portugal e na Europa, podia achar que a negociação com Bruxelas sobre um instrumento fundamental da política do governo, o orçamento, não seria realizada num registo de grande tensão depois do enquadramento de reversão de medidas e de processos que foi criado. Só alguém com maturidade política pueril pode, perante a realidade, proclamar ser “perfeitamente possível que Bruxelas esteja a tentar tramar o governo” ou descobrir agora que “ a direita europeia acaba por ter uma força desmesurada na Comissão Europeia”. Bruxelas está a ser o que tem sido e, há muito, precisa de ser combatido. Um dos problemas deste tipo de protagonistas políticos é que faltaram ou falharam nos momentos cruciais.

Em 2014, nas eleições para o Parlamento Europeu, quando o desafio era construir uma maioria de esquerda na Europa que mudasse o rumo da construção europeia, que concretizasse uma inversão das políticas comunitárias e que não desaguasse na manutenção do poder da direita ou em acordos dos socialistas e sociais democratas europeus com essa mesma direita a troco de lugares, muitos ficaram em casa, estiveram mais interessados na intriga ou no boicote para que os resultados fossem negativos. Ainda assim, contra a direita coligada, o PS português ganhou as eleições europeias. A esmagadora maioria dos restantes partidos socialistas e socias democratas não fizeram o trabalho de casa e acabou reconduzida uma Comissão Europeia com a mesma matriz.

Ao longo dos últimos anos, em Portugal, na Espanha, na Grécia, no Reino Unido e na Dinamarca, a marca comum dos socialistas foi a da derrota nas eleições legislativas, que, sem soluções similares à adotada no nosso país, conduziu à posse de governos de direita e ao consequente reforço da direita nas instituições europeias, nomeadamente no Conselho Europeu.

Mesmo perante as dificuldades da governação, a menos que conste de algum anexo escondido da posição política conjunta do PS com o PCP – promoção da propaganda soviética-, é ridícula a comparação da União Europeia com uma “ União Soviética sem KGB”. Face à realpolitik das dificuldades da solução de governação adotada, da realidade da vida concreta dos portugueses e do funcionamento das instituições europeias, nunca haverá um KGB que nos valha. Até porque o Comité para a Segurança do Estado (KGB) só valia aos poderes instalados.

As dificuldades da realidade não justificam que se abdiquem dos valores, do senso ou do sentido da política para as pessoas. Fazê-lo é entrar no domínio do ridículo. Fatal quando se diz uma coisa e faz-se coisa diferente. Como diz o primeiro ministro António Costa “ palavra dada tem de ser palavra honrada”. O primeiro Orçamento de Estado de um governo com um programa que “vira a página da austeridade” tem de ser coerente: sem mais austeridade, leia-se sem aumento de impostos.

Três notas finais

CHUVA. Depois da rábula da devolução da sobretaxa, soube-se que, em outubro de 2015, os responsáveis da ANAC-Autoridade Nacional da Aviação Civil, entidade reguladora, aumentaram-se a si próprios em 150%. No caso do presidente, um aumento de 6.030 para 16.075 euros. Alguns membros da anterior maioria PSD/CDS, os do CDS, tiveram o seu momento “Cosme Machado” a tentar justificar o injustificável. Infelizmente, estas indignidades não são defeito, são feitio. Ou esqueceram-se dos 10.000 euros de salário do atual Presidente da RTP? Não vi clamor nacional sobre o tema como ocorreu com a subvenção dos políticos.

NEBULADO. Se se deixa à FENPROF e afins o anúncio de medidas do governo e se só os deputados do BE, do PCP e do PEV é que podem perguntar e requerer sem noção do compromisso político com o governo, aos deputados do PS e aos socialistas é acometido apenas o papel do aplauso de apoio? Com que custos políticos?

SOL. Esteve bem a Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, ao defender a reabertura de tribunais encerrados no âmbito da teimosia da anterior ministra, que encerrou e desclassificou 47 tribunais em 2014, e ao sustentar a solução de fazer deslocar os magistrados às localidades afetadas pelo mapa judiciário em vez de serem os cidadãos a fazerem esse corrupio no acesso à justiça. Não será como defendia António José Seguro, mas é melhor do que o defendido entretanto pelo PS.

Escreve às quintas feiras