Há duas décadas que a legislação laboral portuguesa prevê que o período normal de trabalho “não pode exceder oito horas por dia e 40 horas por semana” mas, nos últimos anos, cada vez mais empresas recorrem a mecanismos – legais e ilegais – para prolongar os horários dos funcionários.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos ao terceiro trimestre de 2015, mostram que um milhão de portugueses trabalham mais de 40 horas por semana. Este grupo representa mais de 22% da população empregada no país.
Esta percentagem de funcionários a trabalhar acima do limite normal de trabalho tem-se mantido relativamente estável nos últimos anos, o que indica uma tendência estrutural da economia portuguesa.
A regra das 40 horas foi criada no verão de 1996, depois de anos de confrontos entre sindicatos e empresários – estes últimos preocupados com os custos com pessoal que a redução dos horários de 44 horas iria provocar. O governo de Guterres conseguiu chegar a acordo em concertação social e a mudança avançou, mas as sucessivas atualizações da legislação laboral têm introduzido mecanismos de flexibilização da regra das 40 horas.
Flexibilidade Hoje, o Código do Trabalho permite que a regra das 40 horas seja flexibilizada em múltiplas situações, desde que haja acordo dos trabalhadores. Por acordo coletivo, por exemplo, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios ao longo de um período de referência: trabalha–se mais numas semanas e descansa-se mais noutras. Existe também a figura da isenção de horário, em que os trabalhadores não ficam sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
E, além da flexibilidade prevista na lei, existem alguns mecanismos irregulares com que os empresários prolongam as horas de trabalho. Uma coisa é o que diz a legislação, outra é o que se passa nas empresas.
Segundo os relatórios mais recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as tendências do mercado laboral a nível global, Portugal aparece no grupo de países europeus em que as mudanças nos acordos coletivos nas últimas décadas provocaram não apenas o prolongamento dos turnos, do trabalho à noite e do trabalho temporário, mas também o fenómeno das horas de trabalho “irregulares”.
“No geral, as mudanças têm-se caracterizado por uma menor duração dos contratos e da segurança do emprego, horários de trabalho mais irregulares (tanto em termos de duração como de consistência), aumento da utilização das empresas de trabalho temporário, crescimento de várias formas de autoemprego dependente (como subcontratação e franchising) e também acordos de trabalho falsos/ informais”, refere um estudo da organização publicado no início deste ano sobre o crescimento das formas não convencionais de trabalho à escala global.
Preocupações Especificamente sobre Portugal, um outro relatório recente da OIT deixou alertas sobre a qualidade do emprego. Na publicação anual “World Employment and Social Outlook – Trends 2016”, o país é apontado como uma das economias do sul da Europa em que o trabalho temporário mais tem aumentado, contribuindo para a compressão da qualidade do emprego.
“Embora a incidência do emprego temporário pareça ter estabilizado desde 2014, uma série de países, incluindo os Países Baixos, Portugal e Espanha, continuam a apresentar um peso da contratação temporária de cerca de 20% ou superior”, refere o relatório, que aponta a degradação da qualidade do emprego como uma tendência geral no mundo, com a desaceleração económica global.
“A baixa qualidade do emprego mantém-se um problema em todo o mundo”, indica o estudo, acrescentando que a incidência do emprego vulnerável – a percentagem de trabalhadores independentes e de outras categorias de trabalho “tipicamente sujeitas a níveis elevados de precariedade” – está a diminuir de forma menos acentuada do que desde o início da crise.
Esta tendência tem depois efeitos na qualidade de vida dos trabalhadores. Em Portugal, segundo o último barómetro de avaliação de riscos psicossociais conduzido pela consultora Mastering Jobs & People, 17,3% dos quase 5 mil trabalhadores ouvidos no estudo mostravam sintomas de esgotamento. E quase metade dos inquiridos estavam sujeitos a situações laborais com potencial para gerar esgotamento.