A insustentável reforma dos velhos


Se a sociedade aceita que um velhinho alicie crianças com douradinhos, tem de aceitar que os idosos trabalhem até à morte.


“Olhem para mim. Sou um idoso que descontou durante 40 anos para a Segurança Social e agora tenho uma pensão miserável que mal me permite sobreviver. É assim que se tratam os velhinhos?”

Ouvi esta lamechice pegada no telejornal e fiquei indignado. À semelhança de muitos idosos, a Segurança Social do nosso país está abandonada num lar pestilento sem que ninguém lhe mude a fralda há anos. Todos sabemos as causas, mas ninguém apresenta soluções. Por um lado, os casais recusam-se a fazer a sua obrigação de procriar, como Deus ordenou, e não nascem novos trabalhadores que possam efetuar descontos para pagar reformas. Por outro lado, Portugal está cheio de velhinhos que acham que já não servem para nada e que são um peso para as famílias e para o SNS, que os acarinha como se fossem pessoas com défice de atenção que apenas vão visitar o médico de família para dar dois dedos de conversa sobre uma dorzinha nos joanetes. Isto é um escândalo! Deixámos que os centros de saúde se transformassem em clubes de convívio para a terceira idade.

Na verdade, a forma como tratamos os idosos em Portugal é uma violência mascarada e hipócrita, pois permitimos que a maior parte deles passe o pouco tempo útil de vida que lhes resta amargurados, a queixarem-se à frente da televisão, à espera que a morte os venha buscar. Temos o dever de acabar com esta espécie de subsidiodependência geriátrica, quando temos ali uma força produtiva desaproveitada à mão de semear.

Meus amigos, mentalizem-se: os idosos são pessoas capazes e não produtos fora do prazo de validade. Não se deixem enganar pelo cheiro. Por exemplo, uma pessoa com alzheimer pode pintar paredes. É apenas uma questão de lhe relembrar de dez em dez minutos a razão por que está ali de trincha na mão. Custa muito? Sabiam que em algumas tribos africanas, quando os idosos consideram que já não são úteis para o desenvolvimento da coletividade, pedem aos mais novos que os abandonem no mato sozinhos, para serem devorados por leões? Isto, sim, são idosos corajosos. Claro que nós somos muito mais civilizados, fingimos que nos preocupamos ao deixá-los em lares sem condições e, assim, sentimos que o problema está resolvido; não os vemos e podemos sempre imaginar que estão felizes.

Quero que percebam que eu não estou a defender que se matem idosos, por amor de Deus! De todo! Estamos a falar de pessoas que merecem toda a consideração, daí eu deixar esta pergunta no ar: porque é que temos uma mão–de-obra experiente inferiorizada quando poderíamos reformar os reformados, dando-lhes outra utilidade que não a de adereços de parques públicos? Todos conhecemos idosos deprimidos porque acham que já não têm valor, que só servem para os familiares se preocuparem em evitar que eles se suicidem enrolando a algália à volta do pescoço. Na minha opinião, estaríamos a fazer um favor a esses idosos se lhes disséssemos: “Caro sr. Abílio, foi convocado para ir trabalhar para um campo de batatas no Alentejo; considere isto como uma excursão de amigos em que poderá desfrutar do sol, fazer amigos e respirar ar puro.” Acabaríamos assim, de uma vez por todas, com esse flagelo que é a solidão e depressão dos velhotes. Poderíamos criar cooperativas laborais para a terceira idade, onde viúvos e viúvas pudessem voltar a encontrar o amor quando estivessem a fazer horas extra numa fábrica têxtil, a criticarem um patrão que os explora.

Mas como funcionaria esta ideia? Os idosos seriam categorizados segundo as suas aptidões e requalificados para um setor com falta de mão-de-obra. No setor das pescas, poderiam usar-se idosos incontinentes. Iam para a faina, estariam embarcados durante seis meses e ganhariam um cheiro a bacalhau, que é socialmente mais aceitável do que o do xixi. Acham que a Iglo teria o mesmo sucesso se reformasse o seu capitão? Se a sociedade aceita que um velhinho alicie crianças com douradinhos, tem de aceitar que os idosos trabalhem até à morte. A reforma é um funeral precoce e o único que chora é o defunto.

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