Orçamento. Procura-se organismo que considere as contas realistas

Orçamento. Procura-se organismo que considere as contas realistas


UTAO entende que o documento melhora “artificialmente” o défice e tem “riscos de incumprimento”. Governo dá sinais de ceder a Bruxelas.


Depois de agências de rating, bancos de investimento, Conselho de Finanças Públicas e Comissão Europeia, o rol de organizações com reticências face ao Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) volta a aumentar.

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) publicou ontem um relatório onde considera que o documento “melhora artificialmente” o défice estrutural e apresenta “evidentes riscos de incumprimento” das regras orçamentais. Sob pressão, o governo dá sinais de cedência a Bruxelas e uma das medidas mais emblemáticas só avança parcialmente: o IVA na restauração só desce para a comida e as bebidas mantêm-se a 23%.

No relatório da UTAO, os técnicos que fazem estudos para os deputados entendem que o esboço do OE2016 apresentado pelo governo “corre evidentes riscos de incumprimento” quanto ao ajustamento estrutural.

Isto porque o governo decidiu classificar como medidas temporárias a reversão de medidas de austeridade como a devolução salarial ou a eliminação da sobretaxa. Para a UTAO, essas medidas “não cumprem os requisitos” para serem classificadas como temporárias. “A identificação indevida de medidas one–off de agravamento do défice orçamental, isto é, operações que aumentam despesas ou diminuem receitas, contribui para melhorar artificialmente o esforço orçamental, interferindo com a medição da variação do saldo estrutural conforme estabelecido no Pacto de Estabilidade e Crescimento e refletido na Lei de Enquadramento Orçamental”, escrevem os economistas do parlamento.

A UTAO entende que, se as medidas temporárias forem devidamente classificadas segundo as regras contabilísticas europeias, o défice estrutural, em vez de diminuir 0,2 pontos percentuais, como prevê Mário Centeno, aumentaria 0,4 pontos percentuais.

O deputado do PS João Galamba reagiu à polémica da classificação das despesas extraordinárias. Num post do Facebook, considerou que o governo fez “muitíssimo bem” em tomar essa opção. “Esses cortes não reduziram o défice estrutural quando foram feitos e não o aumentam quando são revertidos. Se são conjunturais e temporários, devem ser irrelevantes para o défice estrutural.”

Recuo O relatório da UTAO incendiou ainda mais os ânimos em torno do Orçamento, numa semana negra para o ministro das Finanças. A Comissão Europeia escreveu uma carta a Centeno a pedir explicações sobre a redução insuficiente do défice estrutural.

O ministro tem até ao final do dia de hoje para dar resposta à solicitação, mas há já sinais de que as contas do Orçamento poderão ser revistas para ir ao encontro das pretensões de Bruxelas.

O líder parlamentar do PS, Carlos César, admitiu ontem que as negociações entre o governo e a Comissão deverão levar a alterações ao documento, com cedências de ambas as partes. “Creio que se chegará certamente a um entendimento, a uma aproximação de posições, e pode haver alguma correção a introduzir da nossa parte, como pode haver, e certamente haverá, uma aproximação da CE às explicações que o governo português a todo o tempo está a prestar.”

O comissário Pierre Moscovici admitiu ontem, citado pelo “Económico”, que a carta enviada ao governo português deverá levar a “compromissos complementares” para evitar que Bruxelas tenha de pedir uma revisão do projeto de Orçamento do Estado ou mesmo um novo projeto.

O comissário francês confirmou contactos permanentes com Portugal no sentido do cumprimento do Pacto de Estabilidade e que ainda havia “algumas questões” por clarificar.

Já o primeiro-ministro, António Costa, insistiu que as negociações com Bruxelas são normais: “Não creio que haja nenhum problema sério. Agora, ao nível político, não há ainda qualquer debate sobre essa matéria. O que para já estão a esclarecer são tecnicalidades orçamentais que cabe aos serviços tratar.”

Uma das medidas em que poderá haver recuo do governo, para ir ao encontro das pretensões, é na descida do IVA da restauração. A versão final do OE2016 deverá permitir uma descida do imposto para 13% apenas nos alimentos. A atual taxa de 23% continuará a aplicar-se nas bebidas espirituosas, vinho, cerveja, refrigerantes e sumos embalados. Segundo o “Expresso”, as únicas exceções são o leite, o café e a água engarrafada, que passam também para a taxa intermédia de 13%.

A descida do IVA deveria custar 175 milhões de euros aos cofres públicos. Com este recuo, a perda de receita é menor.

joao.madeira@ionline.pt