Mesmo sem segunda volta, as presidenciais continuam, ou quase. Como em campanha não se discutiram nem ideias nem programas, sobra agora tempo para a reflexão. Estas foram umas eleições televisivas. Televisivas pelo anúncio antecipado, pelas televisões, do líder das audiências televisivas como vencedor. Televisivas pelo enquadramento da luta política nos formatos de entretenimento televisivo, com a “discussão” de ideias centrada nos grandes planos do candidato comedor de bolos e no seu opinar sobre os ditos. Televisivas pela necessidade que quase todos sentiram de tentar copiar as fórmulas televisivas do candidato vencedor.
Ao contrário do que foi desejado por alguns, não houve verdadeiramente eleições primárias à esquerda. Já pela extrema-esquerda houve um confronto entre a televisão a cores e o cinema mudo, este com entretítulos que narraram tarde e mal a ação do filme. E o PCP perdeu as primárias da extrema-esquerda, ficando pela metade do seu eleitorado natural que, tradicionalmente, lhe era graniticamente fiel. Edgar Silva, que provavelmente estaria também a ser mostrado como futuro secretário-geral, não se afastou do modelo tradicional de candidato presidencial do PCP. O modelo de candidato não mudou; o eleitorado, sim. Face aos maus resultados, da Soeiro Pereira Gomes virá quanto antes o apelo ao regresso à luta de massas, tendo como pretexto um caderno reivindicativo que não terá fim. É ainda cedo para saber se este regresso do PCP à tradição se traduz em boas ou em más notícias para António Costa. Muito dependerá do timing do exacerbar da “luta de massas” e da possibilidade de o eleitorado comunista voltar ao mercado eleitoral numas eleições legislativas antecipadas.
Não podem ser feitas extrapolações, com um pantógrafo, dos resultados das eleições presidenciais, sobretudo de umas eleições presidenciais em que a falta de comparência dos pesos pesados do PS permitiu ao candidato de direita não ter de discutir um qualquer programa eleitoral. Mas também não se pode ignorar a forma como se comportou o eleitorado do PCP. Se numa futura dramatização política, conducente à bipolarização e forçando o voto útil, metade do eleitorado tradicional do PCP se juntar às recorrentes flutuações do eleitorado que tem vindo a votar no Bloco de Esquerda, há uma grande margem de crescimento para o PS.
E valerá a pena lembrar que há eleições presidenciais ainda mais televisivas do que as portuguesas. A corrida presidencial americana corre o risco de não passar pelas eleições primárias organizadas por democratas e republicanos. Trump já ameaçou apresentar uma candidatura independente se a liderança do Partido Republicano lhe dirigir mais algum apelo ao decoro e ao respeito pela linha programática do partido. Uma candidatura independente de Trump dividiria o eleitorado republicano e colocaria Clinton na Casa Branca.
Mas esta semana ficámos a saber da apetência de Michael Bloomberg por uma candidatura à margem do Partido Republicano e da sua disponibilidade para avançar para a campanha com um “war chest” no valor de mil milhões de dólares, pagos do seu próprio bolso. Bloomberg conseguiu ser eleito várias vezes com os votos de muitos democratas de Nova Iorque. A candidatar-se, irá erodir o eleitorado de Trump, mas também o de Clinton.
Podem chamar-me saudosista, mas na minha memória dos candidatos independentes às eleições presidenciais nos EUA estará sempre Ralph Nader. E quando se candidatou já havia televisão a cores. Mas eram outras presidenciais…
Escreve à sexta-feira