Orçamento. Governo arrisca chumbo de Bruxelas na próxima semana

Orçamento. Governo arrisca chumbo de Bruxelas na próxima semana


Comissão pode pôr Portugal em incumprimento nas regras do Pacto de Estabilidade


A capacidade negocial de António Costa vai ser posta à prova nos próximos dias. A carta que a Comissão Europeia (CE) enviou ontem ao ministro das Finanças questiona a redução do défice estrutural abaixo das recomendações de Bruxelas, deixando em aberto a possibilidade de chumbo do Orçamento do Estado para 2016, dentro de uma semana.

Caso o Governo não consiga convencer a Comissão das suas contas, com esclarecimentos que têm de seguir para Bruxelas até amanhã, o orçamento será devolvido até à próxima sexta-feira, à semelhança do que já aconteceu com Espanha. As Finanças teriam então de apresentar um novo esboço orçamental no prazo de três semanas, com medidas mais pormenorizadas e metas orçamentais revistas.

Estes são os procedimentos impostos pela legislação europeia que regula a apresentação do Orçamento do Estado, que a carta de Bruxelas fez questão de frisar. “Antes de seguir esse caminho […], escrevemos para consultá-lo sobre as razões de Portugal prever uma mudança no défice estrutural em 2016 que está muito abaixo do ajustamento recomendado pelo Conselho em junho”, escrevem os comissários com as pastas do euro e dos assuntos económicos e orçamentais, Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici, na missiva enviada ontem a Mário Centeno.

Os compromissos assumidos com Bruxelas impõe uma redução de 0,6 pontos percentuais no défice estrutural e os planos de Centeno são de uma redução de apenas 0,2 pontos percentuais, para 1,1% do PIB.

Além desta derrapagem em termos estruturais, os dois comissários indicam ainda que o défice global de 2015 ficou acima de 3% – o que deverá significar que Portugal permanece por mais um ano sob o Procedimento por Défice Excessivo a que está sujeito desde 2009, que obriga a um controlo orçamental mais apertado. A consulta aos Estados-membros em grave incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento é um passo obrigatório antes da avaliação final do orçamento, que tem de ser publicada até à próxima sexta-feira.

A carta dos comissários impõe depois um prazo apertado para que haja uma resposta: os esclarecimentos técnicos das “questões em aberto” têm de seguir até amanhã.

Pressão alta

A Comissão refere que “pretende continuar um diálogo construtivo com Portugal”, para que a análise do esboço de orçamento “tenha em conta a perspetiva de Portugal”.

O Ministério das Finanças garantiu, em comunicado, que o pedido de Bruxelas se enquadra “no processo normal de decisão da Comissão e já foi feito a outros países, tais como França e Itália”.

O gabinete de Mário Centeno acrescenta que a consulta “inicia um processo rápido de troca de informações técnicas para esclarecimento de detalhes de implementação das medidas e acerca do cenário macroeconómico”.

Em reação à carta de Bruxelas, o primeiro-ministro também desvalorizou os avisos dos comissários. Segundo António Costa, as questões enviadas sobre o orçamento são um “procedimento normal”, no âmbito de uma “avaliação técnica, de um esclarecimento de dúvidas” por parte da Comissão.

“Vamos desenvolver agora um trabalho técnico para esclarecer essas dúvidas”, adiantou Costa, acrescentando que “até à próxima sexta-feira” esse trabalho possa ser concluído. “A Comissão Europeia quer saber por que razão o Orçamento é este e nós temos bons argumentos para explicar e defender a nossa posição”, afirmou.

A carta de Bruxelas surge depois de sucessivos alertas sobre os pressupostos do Orçamento do Estado para 2016, entregues à Comissão Europeia na passada sexta-feira. Está previsto um défice de 2,6% do PIB, abaixo dos 2,8% que António Costa tinha indicado inicialmente. o crescimento acelere para 2,1% em 2016, quando a Fitch prevê que seja de apenas 1,7%.

O alerta mais recente quanto a estas previsões veio da Fitch. A agência de rating considera que a proposta de Orçamento do Estado para 2016 está baseada em previsões de crescimento e planos de receitas e de despesas que podem “revelar-se irrealistas”.

 A proposta de orçamento apresenta “riscos descendentes” nas perspetivas orçamentais de médio prazo, que dependem da recuperação económica e do impacto das medidas do governo, diz a agência, que deixou um alerta: qualquer alívio orçamental que resulte numa trajetória menos favorável do endividamento público “pode levar a uma ação de rating negativa”, tal como um crescimento mais fraco com um efeito negativo sobre as finanças públicas.