Como temia, os meus desejos aqui expressos na semana passada de um Marcelo Rebelo de Sousa sem maioria, obrigado a disputar uma segunda volta, com o espetro de uma derrota a ameaçar aquilo que parecia só uma aclamação, não se confirmaram.
Os deuses e os homens, pelo menos os leitores, sabem que tudo fiz – dentro da maior legalidade, entenda-se – para que o homem que escreve com as duas mãos ao mesmo tempo, para que aquele que não dorme, que é representante da esquerda da direita, e do centro liberal da direita direitíssima, e da direita fina, da tendência marginal-para-lisboa, que é um devoto independente inscrito no PSD, não fosse eleito.
Escrevi, telefonei, mandei mensagens, mas não. As coisas são o que são e o que tem de ser tem muita força. O homem mais inteligente de Portugal – sim, porque é preciso ser mesmo muito inteligente para, apesar de nunca ter tido uma ideia, ser considerado, assim mesmo, um inteligente homem. O tipo é um manhas.
O amigo das mulheres, em especial das balzaquianas, que gostam tanto dele porque as faz rir e ter filhos, enquanto ele, zombeteiro, luta contra o aborto. O apoquentado com os mais desfavorecidos enquanto, de calção e pernaça ao léu, fraterniza com banqueiros corruptos e políticos de-salmados, gordos a suspiros de infelizes.
O especialista em sopas, o que nunca mente, ou praticamente, porque a raça superior de onde emerge não mente, interpreta. Professor, bem-nascido e alimentado, passou de olheiro do antigo regime para comentador democrata, pago para vender propaganda ao preço da banha. Um especialista em oráculos.
O inventor de factos, o amado pela inteligência periférica mais que pindérica, o que não acredita em nada mas que, se for preciso, acredita.
O que não sabe mas explica, o que cheira a Lisboa, mas da boa, perfumada assim, com canela no café e pomada no peitinho.
O que se lançou ao rio, e o maldito do rio, desgraçado, devolveu-o. Esta espécie de doença infantil do marcelismo, que bestifica uns babacas de uma esquerda salsinha que colaboraram, felizes, para a vitória do camafeu. O senhor audiências, o candidato das televisões, o candidato-rei, Marcelo, o político de direita e camarada de Cavaco, ganhou as eleições.
Ao contrário do que possa parecer, não estou a reagir, amargo, a uma desilusão mais que anunciada. Estou a gozar com os que durante todos estes anos transformaram e olharam para Marcelo como uma pop star.
Agora, por obrigação constitucional, ele é o Presidente de todos os portugueses. Mas deixemo-nos de hipocrisias: nem todos os portugueses têm a obrigação de o aceitar como o seu Presidente. O meu, não é. Já sou órfão de Presidente há dez anos, aguento mais cinco.
A derrota das esquerdas e o Bloco
Não vale a pena iludir, a esquerda sofreu uma pesada derrota. O PS foi o mais penalizado, com consequências que irão repercutir-se dramaticamente nas estratégias e movimentos de poder interno e na luta de todos os que se opõem à liderança de António Costa.
Não me refiro apenas ao humilhante desastre eleitoral de Maria de Belém e a uma estratégia de campanha desastrosa, mas ao óbvio facto de que nem somando ao também fraco resultado de Sampaio da Nóvoa, se considerarmos os apoios e meios colocados à sua disposição, o PS consegue alcançar os resultados obtidos nas legislativas de 2015.
Ou seja, admitindo por absurdo que todos os que votaram em Nóvoa e Belém vinham do universo eleitoral do PS, já o desaire seria grande, mas, como sabemos não ser assim, a realidade impôs uma pesada derrota e demonstra como a estratégia de se demitir de ter um candidato próprio foi errada.
Apesar de, para o PCP, as prestações negativas em campanhas presidenciais, por norma, não afetarem os seus resultados eleitorais em legislativas ou autárquicas, nada é imutável. Os comunistas não podem deixar de ponderar sobre os números desta eleição.
A banalização da derrota, mesmo episódica, com a consequente secundarização do PCP em relação ao Bloco, pode levar a uma reconstrução do espaço da esquerda, o que levaria os comunistas a terem de afirmar a sua distinção, e isso pode, no limite, pôr em causa os apoios cirúrgicos do PCP para a viabilização do governo PS, bem como a estabilidade da geometria variável dos apoiantes do governo.
No PCP, as dificuldades com a comunicação não são um pormenor. Não se entende a falta de um natural, justo e humano agradecimento ao povo da Madeira que votou em Edgar Silva, especialmente tendo em conta os resultados globais obtidos e os que o PCP costuma ter naquele espaço.
Neste cenário, o Bloco segura um eleitorado, o que é diferente de ter mantido o eleitorado. Os bons resultados de Marisa Matias são-no por diversas causas e razões, e talvez convenha não confundir expressões de oposição circunstanciais manifestadas pelo voto com consolidadas manifestações de reserva eleitoral.
Presidenciais de 2011
Nessas eleições, contabilizados os 600 mil votos e os 14 % do candidato independente Fernando Nobre, eles foram de imediato considerados meta fácil de atingir por qualquer um. Só a arrogância e o ressentimento promoviam essas afirmações.
Hoje, mesmo os resultados de Sampaio da Nóvoa, com todos os meios, apoios partidários, imprensa e personalidades que teve ao seu dispor e em seu redor, são pálidos se comparados com os de Nobre e com os recursos que este nunca teve.
Vai levar muito tempo até que uma candidatura verdadeiramente independente tenha resultados equiparáveis. O estudo para a perceção dos fenómenos políticos, sem sobranceria ou sectarismos, é fundamental em democracia.
Consultor de comunicação, Escreve às quintas-feiras