A carta da Comissão Europeia ao governo com dúvidas sobre o draft de Orçamento enviado por Costa a Bruxelas fez soar campainhas à esquerda. A missiva é vista como mais um episódio nas negociações “duras” com a Europa e a palavra de ordem é “resistir”. Recuar não parece, pelo menos para já, uma opção.
“O governo não tem margem para recuar “, reconhece o deputado socialista João Paulo Correia, lembrando que aquilo que está a levantar dúvidas na Comissão resulta dos acordos assinados à esquerda. “No fundo, têm dúvidas sobre como é possível diminuir o défice estrutural em 0,2% ao mesmo tempo que se repõem os salários da função pública, se corta a CES e se devolve a sobretaxa de IRS “, explica o socialista, ao mesmo tempo que recorda que todas essas medidas estão nos acordos com o BE, o PCP e o PEV que garantem a base de apoio parlamentar do governo.
António Costa deu ontem um sinal de que não está disposto a recuar, sublinhando que não está em cima da mesa neste momento um cenário de chumbo do OE por Bruxelas. “Temos boas razões do ponto de vista económico para argumentar e defender a nossa posição”, defendeu o primeiro-ministro, desvalorizando o aviso feito pela Comissão Europeia. “É uma carta normal (…) O processo técnico estará concluído até sexta-feira para que a CE possa pronunciar-se com a maior celeridade possível. A CE tinha prometido uma reação muito rápida e é um sinal positivo que tivesse pedido tão rapidamente reuniões técnicas de forma que não se atrase este processo orçamental para recuperarmos o tempo perdido”, explicou.
Promessas para manter Além de medidas como a reposição dos salários ou das 35 horas de trabalho semanal na função pública, que já foram aprovadas, há outras que põem pressão no lado da receita que estão no Orçamento do Estado para 2016, como a diminuição do IVA da restauração e a reintrodução da cláusula de salvaguarda do IMI, que fazem parte dos compromissos assumidos no programa do PS e em relação aos quais há também pouca vontade de ceder. “São compromissos que assumimos”, declara João Paulo Correia, lembrando que, do lado da despesa, o PS também não abre mão das já prometidas subidas nos apoios sociais, como o rendimento social de inserção ou o abono de família.
António Costa tem, de resto, feito o seu discurso político em torno do mote “palavra dada é palavra honrada “, repetindo, como ainda o fez recentemente na comissão política do PS, que as promessas socialistas são para manter – um discurso que dá pouca margem de manobra para recuos.
O governo continua a acreditar que os números que enviou para Bruxelas estão certos e estima que, por exemplo, o rombo provocado pelos cerca de 300 milhões que representa a descida do IVA da restauração possa ser compensado pela redução em cerca de 600 milhões das despesas com gastos intermédios, as famosas gorduras do Estado.
Esquerda à espera Mais à esquerda, ainda se espera para ver. “Ainda estamos a analisar o Orçamento “, responde o líder da bancada parlamentar do PCP, João Oliveira, reforçando os compromissos que o seu partido assumiu no acordo com António Costa.
A mesma atitude tem o deputado do BE Jorge Costa, que ainda espera para ver como se vai desenrolar a negociação na Europa, mas acredita que aquilo a que se está a assistir é a uma pressão de Bruxelas à qual o governo deve resistir. “É óbvio que a solução do Banif fez aumentar o défice e que isso faz com que agora estejam a fazer esta pressão”, comenta, defendendo que Bruxelas e o governo partem de modelos diferentes e que é isso que explica a forma como se tem desenrolado a negociação em torno do OE para 2016.
Certo é que o governo tem agora até amanhã para dar uma resposta sobre um documento que terá de estar pronto até à quinta-feira da semana que vem para ser aprovado em Conselho de Ministros.
OE para Marcelo Segundo o calendário ontem definido em conferência de líderes na Assembleia da República, o OE deve chegar aos deputados no máximo até sexta-feira da próxima semana para se fazer a discussão na generalidade nos dias 22 e 23. Seguindo este calendário, a votação final global deverá acontecer no dia 16 de março para que o Orçamento entre em vigor no dia 1 de abril. Os prazos são particularmente apertados para o parlamento, já que pelo meio haverá jornadas parlamentares do PS, congresso do CDS e dois Conselhos Europeus que obrigarão Costa a estar em Bruxelas.
Segundo as datas definidas, será já a Marcelo Rebelo de Sousa – que toma posse a 9 de março – que caberá promulgar o OE para 2016, um cenário que o próprio reconheceu, em campanha eleitoral, que teria preferido evitar.
Conversas paralelas Com a pressão de Bruxelas a aumentar, o clima à esquerda continua tenso. Ontem, o “Observador” anunciou que o BE vai manter com o PS cinco grupos de trabalho em áreas como a precariedade laboral ou as questões energéticas, como ficou estabelecido no acordo de apoio ao governo, mas sem o PCP.
João Oliveira desdramatiza, porém, o assunto, garantindo que os comunistas terão “os mesmo grupos de trabalho” com o governo. E porque não o fazem em conjunto com o BE? “Porque essa tem sido a metodologia de trabalho que definimos desde o início.”
No BE, Jorge Costa explica que “a ideia era que estes grupos de trabalho fossem uma iniciativa do governo, que chamasse os partidos que o apoiam a participar”. Nessa lógica, que ficou plasmada no acordo firmado, o BE teria preferido que o PCP estivesse presente. “Claro que era melhor.” Mas os bloquistas não querem fazer do tema um problema. “Tem sido sempre assim. Não há drama nenhum”, garante Jorge Costa, explicando que, apesar de os comunistas não aceitarem estar nestes grupos de trabalho com o BE, isso não significa que PCP e bloquistas não falem. “Falamos no parlamento, como falámos durante as negociações para os acordos”.