Liga dos últimos. Uma (grande) surpresa entre os adversários do sistema

Liga dos últimos. Uma (grande) surpresa entre os adversários do sistema


Chegaram, viram, mas ficaram longe de vencer. Eram cinco e traziam nos respetivos programas um ponto comum: o desafio frontal ao sistema. O mesmo sistema que lhes deu espaço para uma surpresa – Vitorino Silva -, mas que junta todas as candidaturas em menos de 7% dos votos


Vitorino Silva

O suspense manteve-se durante grande parte da noite, enquanto a contagem de votos era encerrada distrito a distrito: conseguiria Vitorino Silva bater Maria de Belém e Edgar Silva? Esteve por um fio, mas acabou por fechar a noite no sexto lugar.

Precisamente o lugar em que o seu nome surgia nos boletins de voto: sem gravata, camisa aberta, o homem que a maior parte dos eleitores sempre (re)conheceu como Tino de Rans, o calceteiro de uma freguesia do concelho de Penafiel que se apresentou sem aviso ao país em 1999, quando desceu de Penafiel a Lisboa para abraçar com fervor o então líder do seu PS, António Guterres. Ontem, Tino foi a surpresa (uma das grandes surpresas) da noite eleitoral.

E se a grande vitória (a de superar os candidatos “do sistema”) não se concretizou nos resultados finais, não é menos significativo que em vários distritos do país Vitorino Silva tenha batido a ex-ministra do PS ou o candidato do PCP. Em alguns casos, Vitorino Silva conseguiu mesmo bater os dois candidatos. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Viseu e em Viana do Castelo. Noutros casos, o calceteiro bateu pelo menos um dos dois. Isso mesmo foi visível, pelo menos, nos distritos de Braga, Bragança, Guarda e Castelo Branco. Em todos estes distritos, o candidato apoiado pelo PCP, Edgar Silva, não conseguiu superar o total de boletins inseridos com a cruz desenhada à frente de Vitorino Silva.

Olhando aos resultados totais, Tino de Rans ficou em sexto lugar, com mais de 3,3% dos votos. Constatação clara: o candidato superou largamente o grupo dos outsiders – o grupo de homens que surgiu vindo de “fora do sistema” para enfrentar os grandes tubarões, os elementos de um grupo de candidatos em que Tino de Rans foi colocado desde o primeiro momento quando se lançou à maior missão política da sua vida: a corrida a Belém.

Paulo Morais (com 2,1% dos votos), Henrique Neto (0,81%), Jorge Sequeira (0,3%) e Cândido Ferreira (0,23%) – nenhum destes nomes conseguiu superar (em qualquer dos distritos do país, de resto) o candidato da freguesia de Rans, com os seus menos de 1000 habitantes.

Na hora da despedida, Vitorino Silva não escondeu as críticas à forma como a corrida a Belém se fez em dois campeonatos distintos, com duas categorias de candidatos. “O prof. Marcelo foi tratado como se estivesse na reeleição” e não numa candidatura inaugural à Presidência da República, acusou o candidato, ainda sem conhecer os resultados finais. “Eleições foram inquinadas”, disse Vitorino, antes de uma declaração mais grave quanto à falta de democracia que sentiu no decurso da corrida. “Comparo as eleições de 58” – em que Humberto Delgado desafiava sozinho um país fechado na ditadura – “com as de 2016”, considerou o candidato portuense.

Paulo de Morais

 A corrupção – foi a ela que uma, outra e mais outra vez Paulo de Morais voltou durante a campanha. O candidato cortou definitivamente as amarras partidárias que, em tempos, o levaram à vice-presidência da Câmara do Porto (pelo PSD) e recebeu dos portugueses quase 100 mil votos. Aproveitou a imagem que, nos últimos anos, foi cimentando enquanto dirigente da Transparência e Integridade, Associação Cívica e atacou a ligação dos seus adversários ao sistema. De Marcelo Rebelo de Sousa a Maria de Belém ou Marisa Matias, a todos eles Paulo de Morais apontou diretamente o dedo por nunca terem usado os cargos políticos que desempenharam para afrontar os interesses instalados. Conseguiu o sétimo lugar.

Henrique Neto

Também ele esteve na política. Também ele se lançou a Belém num desafio ao sistema e ao garrote dos partidos. Mas conseguiu pouco menos de 36 mil votos – insuficientes, sequer, para ultrapassar 1% dos votos. Na reação aos resultados, o empresário não escondeu a “dificuldade” de afirmação de uma “candidatura independente”. Candidatou-se para tentar mostrar os portugueses “alguma luz ao fim do túnel” e, mesmo na derrota, dizia ser protagonista da “única candidatura que apresentou uma estratégia clara relativamente ao futuro do país”. Na hora da despedida, lançou um cumprimento a Marcelo Rebelo de Sousa, na “esperança” de que “possa ser fator positivo das mudanças profundas de que o país precisa”.

Cândido Ferreira

 Marcou o início da campanha com o abandono de um debate televisivo, em protesto pela forma como a sua candidatura estava a ser tratada em comparação com as de outros candidatos ao Palácio de Belém. Ontem à noite, houve quatro vezes mais votos considerados nulos nas urnas das presidenciais que os votos inseridos com uma cruz à frente do nome de Cândido Ferreira. O médico obteve pouco mais de 10 mil apoios, ficando a cerca de 3000 votos do penúltimo candidato, Jorge Sequeira. O resultado, reconheceu o médico, ficou “muito aquém das expetativas” e refletem uma “demasiada partidarização da vida política”.

Jorge Sequeira

 Nas suas palestras que realizou como orador motivacional em dezenas de empresas do país, Jorge Sequeira cruzou-se com milhares de portugueses. Durante a campanha, terá conhecido muitos outros milhares. Mas, na hora da verdade, o psicólogo teve um resultado curto – o segundo mais curto da noite eleitoral de 24 de janeiro. Cerca de 14 mil votos foi tudo aquilo que conseguiu. Ele que admitiu, por diversas vezes, não ser a pessoa mais indicada para ocupar um lugar em Belém e que via em alguns dos adversários um preparação mais capaz para o exercício dessas funções. Os portugueses ouviram-no e, contas feitas, Jorge Sequeira não conseguiu mais que 0,3% dos votos.