A sombra ameaçadora dos pequenos candidatos

A sombra ameaçadora dos pequenos candidatos


Nenhum deles alimenta esperanças de ser o adversário de Marcelo Rebelo de Sousa numa segunda volta. Mas os ‘pequenos’ podem ter um efeito decisivo este domingo


O bobo da corte pode ser um caso sério

 Tino de Rans é a carta fora do baralho nestas presidenciais. Faz parte do grupo de candidatos anti-sistema, mas o perfil do calceteiro, ex-militante do PS e ex-presidente da junta de freguesia da sua terra, destacou-se dos demais. A personagem sui generis pode não ser levada a sério nos media e posta à parte pela classe política, mas tem um potencial como nenhum outro para ser elevado à categoria de destinatário do voto de protesto, uma alternativa ao voto em branco e ao voto nulo (que em 2011 somaram 6% do universo eleitoral).

A diferença para os candidatos grandes é que os votos brancos e nulos nas presidenciais não contam. Marcelo Rebelo de Sousa pode ser eleito à primeira volta com 10% de brancos e nulos. Já uma votação alta em Tino de Rans, o tal que ninguém leva a sério, pode ser um problema.

A dimensão do voto num candidato com as características de Tino, que aumentou a sua notoriedade como concorrente ao Big Brother dos Famosos, é bem revelada pela votação que José Manuel Coelho teve nas eleições presidenciais de 2011. Como Tino, também Coelho usou o humor e o discurso antí-políticos. A receita resultou bastante bem: 4,49% da votação, que se traduziu em 189 mil votos (bem mais de metade da votação conseguida pelo BE nas legislativas desse ano).

Marcelo Rebelo de Sousa (em especial) e os restantes candidatos optaram por não hostilizar Vitorino Silva, o Tino de Rans. Mas a estratégia permitiu a este brilhar nos debates televisivos. No último deles, esta semana, até conseguiu sobrepor-se à polémica em torno de acusações pessoais entre os outros sete candidatos, em estúdio, declarando: “Não venho aqui para intrigalhadas”.  Foi o único a ser aplaudido.

Tino, o ‘filho do povo’, bobo da corte e crítico da classe política, pode ser o beneficiado pela polémica das reformas vitalícias dos políticos. E Marcelo, Maria de Belém (atingida em cheio pelo caso das subvenções) e até Sampaio da Nóvoa aparecem como vítimas potenciais do, afinal, nada inofensivo Tino.

Quão disciplinado é o voto comunista?

 Esta é uma pergunta para atormentar Sampaio da Nóvoa. A candidatura de Edgar Silva serviu para fixar o eleitorado comunista e passar a mensagem política do PCP. Os comunistas têm a tradição nunca interrompida de apresentar-se em nome próprio nas presidenciais. E só a possibilidade iminente de vitória na primeira volta do candidato mais bem colocado à esquerda os tem levado a desistir. Foi assim que em 1996 Jerónimo de Sousa não foi a votos proporcionando a Jorge Sampaio a vitória sobre Cavaco Silva. Dez anos antes, Ângelo Veloso foi um caso diferente. Desistiu a favor do socialista  Salgado Zenha, mas isso não foi suficiente para impedir que Mário Soares, o outro socialista candidato a Belém (e inimigo de estimação do PCP), levasse vantagem. E Álvaro Cunhal acabou por ter de pedir aos comunistas para “taparem a cara” de Soares e colocarem a cruzinha à frente no boletim de voto.

Nestas presidenciais, a candidatura de Edgar Silva  foi uma grande surpresa – esperava-se que o PCP aproveitasse para lançar o próximo secretário-geral do partido para ‘rodar’ nesta eleição. Mas o seu perfil de ex-padre católico, comprometido com a ajuda aos mais desfavorecidos, prometia captar aderentes fora do universo comunista. Edgar Silva aparecia como um ativista político e social com um passado conhecido, em oposição a Sampaio da Nóvoa, um académico sem atividade política prévia.

A campanha de Edgar Silva, porém, mostrou-o muito colado ao discurso formatado do PCP  – a dificuldade, nos debates, em reconhecer que a Coreia do Norte é uma ditadura mostra bem a sua adesão à tão famosa ‘cassete’ comunista. Por isso, na candidatura de Nóvoa, Edgar é nesta altura considerado uma ameaça menor do que Marisa Matias.

Henrique Neto, o moralizador que veio da esquerda

 O primeiro candidato a formalizar a intenção de concorrer, Henrique Neto, tem um percurso da esquerda para a direita que o coloca agora no centro político. No discurso de campanha, mistura temas sociais com uma intenção moralizadora de vida pública. O ex-operário transformado em empresário de sucesso, ex-comunista que aderiu ao PS e, nos anos de José Sócrates, uma das poucas vozes críticas do despesismo público, é um candidato adequado aos que, à direita, não se reveem em Marcelo Rebelo de Sousa. De resto, Neto foi o primeiro a enfrentar o ex-comentador da TVI, atingindo-o onde lhe dói mais – na imagem de ‘jongleur’ da política, que ora diz uma coisa e o seu contrário e não é de fiar.

O discurso social de Henrique Neto permite-lhe também roubar votos à esquerda. Maria de Belém é talvez quem tem mais a perder, se o seu camarada de partido conseguir impor-se. Os votantes da área socialista que não se revejam em Nóvoa e queiram ‘castigar’ Belém por ter sido advogada em causa própria no caso das subvenções dos políticos têm uma alternativa dentro do PS – Henrique Neto. No círculo da candidata há consciência do risco deste candidato tirar  um ou dois por cento  “que se revelem essenciais para fazer a diferença sobre Nóvoa”.

Os que temem o efeito de desgaste de Neto conservam porém a esperança que o “excesso de demagogia” na campanha, com “cedências populistas à esquerda bloquista” e a “pose megalómana com que se gabava de ter previsto todas as crises” (enquanto mostrava a capa dos livros que tinha publicado), lhe tirem credibilidade eleitoral.

Paulo Morais, o monotemático

Em todos os debates, em todas as ações de campanha, invariavelmente, Paulo Morais transformava tudo o que tocava num discurso anticorrupção. Contra as Parcerias Público-Privadas, os lóbis dos grandes escritórios de advogados infiltrados no Parlamento, contra os 15% de políticos corruptos que, com o silêncio dos outros 85%, diz ele, transformam a condução da vida pública num caso de polícia.

Se Henrique Neto já navegou politicamente nas águas das extrema-esquerda, tendo sido militante do PCP, Paulo Morais, que foi vereador de Rui Rio na câmara do Porto, tem um ponto de partida e de chegada ao centro que pode entrar melhor neste eleitorado.

O discurso populista anti-classe política foi sofrendo desgaste ao longo da campanha. Ainda no último debate televisivo foi mais uma vez confrontado por Marisa Matias, que o acusou de ser inconsequente e de tratar todos os políticos como corruptos. Também ficou a pairar nestas duas semanas o caso da declaração de interesses que Morais devia ter entregue no Tribunal Constitucional e que, só agora, dez anos depois, regularizou, quando já estava a concorrer a PR.

Ainda assim, os eleitores mais sensíveis ao tema da corrupção da classe política podem rever-se no repetido discurso ‘mãos limpas’ do professor universitário do Porto. O seu alvo mais direto, entre os grandes candidatos, é Maria de Belém. Que foi atacada, primeiro, pela sua ligação ao Grupo Espírito Santo Saúde, e depois no caso do recurso para o Tribunal Constitucional que chumbou os cortes nas subvenções dos políticos.

A sombra de Marisa

 Segundo as sondagens, Marisa Matias é a mais bem colocada entre as ‘candidaturas partidárias’ – as que nasceram do BE e do PCP. 

Marisa teve muita visibilidade na sua campanha, mesmo por questões laterais em que saiu beneficiada, como os ataques machistas aos seus cartazes. O discurso à esquerda entra no eleitorado da ala menos centrista do PS; o facto de ser mulher, garante-lhe uma simpatia acrescida. E até a pertença à jovem geração feminina que teve sucesso eleitoral no Bloco é um ‘plus’ na campanha.

São más notícias para Sampaio da Nóvoa, na sua disputa taco a taco com Maria de Belém para passar à segunda volta.

A ameaça de Marisa, e também de Edgar Silva, foi percecionada por apoiantes de Nóvoa, que fizeram esforços para levar à desistência os candidatos apoiados pelo PCP e BE. Ainda na última semana, Vasco Lourenço, um dos primeiros apoiantes do ex-reitor, dizia ao i: “se houvesse a ideia que podia haver um candidato a ir à segunda volta que não Sampaio da Nóvoa, penso que de uma forma patrioticamente democrática, quer o candidato do PCP quer a candidata do BE, deviam desistir. Mas penso que isso não vai ser necessário”.

Nessa altura, de facto, as sondagens já davam um avanço sobre Maria de Belém, deixando os ‘novoístas’ menos preocupados. Ainda assim, o capitão de Abril fez apelo ao voto útil: “É muito natural que eleitores que votariam em Edgar Silva e em Marisa Matias comecem a perceber que se querem garantir que há um candidato capaz de ir à segunda volta têm de votar Sampaio da Nóvoa e já”.