Vai haver segunda volta e Marcelo não ganha as eleições


O título deste texto é um desejo anunciado em letra impressa. Dia 24, após o apuramento dos resultados finais, pode não ser exatamente isso que vai acontecer, mas é o que eu desejaria que acontecesse.


Era bom para a democracia e para a vida política a realização de uma segunda volta que extremasse posições, mobilizasse o eleitorado em torno dos princípios e referências ideológicas de cada um dos candidatos e desmontasse a falsa imagem de uma atitude politicamente correta em relação ao exercício político da Presidência.

Era bom que não se confundisse que cumprir e fazer cumprir a Constituição não é o mesmo que ser o Presidente de todos os portugueses – conceito, aliás, vazio de conteúdo, que tem sido mais justificação para o imobilismo que fator de intervenção e exigência.

Não ter funções executivas de governação não significa que não se tenha uma ideia de país, de desenvolvimento e de equidade social.

Em tempos de depressão económica e de exclusão social, o país necessita de um Presidente com uma personalidade forte, de reconhecida convicção, um homem de identificados valores, com um sonho em ideia de pátria, gerador de confiança, com capacidade de mobilização e legitimada liderança.

A pré-campanha e a campanha eleitoral foram de uma tristeza e de uma falta de qualidade política e intelectual confrangedoras. Estas são, provavelmente, as eleições presidenciais mais fracas e pobres da democracia.

A absoluta ausência de debate sério sobre o futuro, associada a uma muito má produção de meios de propaganda e divulgação dos candidatos, variando entre a “chapa cinco” e o ridículo, com exceção dos desempenhos das “máquinas” de Sampaio da Nóvoa e de Edgar Silva, funciona como um apelo à abstenção do eleitorado, rendido ao desinteresse e ao cansaço.

Marcelo e Paulo Morais à direita

Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato natural da direita. Todo o seu passado e percurso político dispensa explicações. Porém, não estou seguro – pelo contrário – de que toda a direita vá votar nele. O eleitorado do CDS não se revê em Marcelo e setores importantes do PSD estão desconfortáveis com o deliberado afastamento do professor em relação à sua família política. O que tinha como alvo os votos de uma esquerda distraída pode não ter resultado como esperava, em particular depois dos infelizes desempenhos nos debates televisivos, que revelaram um Marcelo frágil, muito diferente do professor das récitas de domingo. O candidato das audiências televisivas pode ter confundido popularidade com seriedade institucional, que são coisas diferentes. Por fim, pode vir a ser vítima de uma “abstenção por convicção de vitória” que resulta das sondagens e do seu discurso de triunfo.

Paulo Morais revelou-se o verdadeiro demagogo. Com um discurso hipócrita, que desmorona quando é confrontado com as suas fugas à responsabilidade, para ele todos os políticos, partidos e instituições democráticas – Tribunal Constitucional incluído – são corruptos, cúmplices de corruptos ou incompetentes, e todos os Presidentes da República foram corta-fitas. Este militante do PSD até 2013, membro da JSD aos 16 anos, que conviveu sem problemas com os casos de colegas corruptos e que diz, sem abranger o ridículo, “os jovens que entram nos partidos é porque querem tacho”– no caso dele funcionou –, foi vice-presidente da Câmara do Porto e revela um discurso tão populista e insultuoso, tão ressentido contra a democracia, que é fácil descobrir nele os tiques de um caudilho. Um clássico.

Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva e Marisa à esquerda

Edgar Silva e Marisa Matias têm o mesmo objetivo: fidelizar eleitorado, passar uma mensagem política, consolidar organizações no terreno, garantir que as lógicas de simpatia ou de voto útil sejam meramente circunstanciais e não se reflitam em batalhas maiores, como as eleições autárquicas ou legislativas. Mas se isso se revelou até hoje uma prática certeira para o PCP, que vê sempre os seus resultados diminuírem em presidenciais sem que isso os afete nas legislativas seguintes – o eleitorado comunista não se confunde com as prioridades e objetivos –, já com Marisa Matias é um desafio tremendo tentar segurar parte substancial do eleitorado recente do Bloco.

Sampaio da Nóvoa é, de todos, o candidato à esquerda em melhores condições de passar a uma segunda volta. Hoje é claro aquilo que era óbvio desde o princípio: é o candidato não oficializado do PS e, independentemente da substância e profundidade de empenhamentos e convicções, a verdade é que a função de Presidente da República ganha estatuto e dignidade humana com a sua eleição.

Maria de Belém não foi a primeira escolha do PS, foi a de uma fação. Mais que em campanha, andou em missão de desagravo. No fim, deixa algo parecido a um grupo de assalto de descontentes à espreita de uma oportunidade dada pela liderança de António Costa. Numa campanha fraca e sem ideias, revelou-se uma figura politicamente menor.

Recordando 2011, os resultados de Fernando Nobre, 600 mil votos e 14,07%, pairam como uma assombração sobre estas candidaturas. Mas isso é outra história.

Consultor de comunicação, Escreve às quintas-feiras


Vai haver segunda volta e Marcelo não ganha as eleições


O título deste texto é um desejo anunciado em letra impressa. Dia 24, após o apuramento dos resultados finais, pode não ser exatamente isso que vai acontecer, mas é o que eu desejaria que acontecesse.


Era bom para a democracia e para a vida política a realização de uma segunda volta que extremasse posições, mobilizasse o eleitorado em torno dos princípios e referências ideológicas de cada um dos candidatos e desmontasse a falsa imagem de uma atitude politicamente correta em relação ao exercício político da Presidência.

Era bom que não se confundisse que cumprir e fazer cumprir a Constituição não é o mesmo que ser o Presidente de todos os portugueses – conceito, aliás, vazio de conteúdo, que tem sido mais justificação para o imobilismo que fator de intervenção e exigência.

Não ter funções executivas de governação não significa que não se tenha uma ideia de país, de desenvolvimento e de equidade social.

Em tempos de depressão económica e de exclusão social, o país necessita de um Presidente com uma personalidade forte, de reconhecida convicção, um homem de identificados valores, com um sonho em ideia de pátria, gerador de confiança, com capacidade de mobilização e legitimada liderança.

A pré-campanha e a campanha eleitoral foram de uma tristeza e de uma falta de qualidade política e intelectual confrangedoras. Estas são, provavelmente, as eleições presidenciais mais fracas e pobres da democracia.

A absoluta ausência de debate sério sobre o futuro, associada a uma muito má produção de meios de propaganda e divulgação dos candidatos, variando entre a “chapa cinco” e o ridículo, com exceção dos desempenhos das “máquinas” de Sampaio da Nóvoa e de Edgar Silva, funciona como um apelo à abstenção do eleitorado, rendido ao desinteresse e ao cansaço.

Marcelo e Paulo Morais à direita

Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato natural da direita. Todo o seu passado e percurso político dispensa explicações. Porém, não estou seguro – pelo contrário – de que toda a direita vá votar nele. O eleitorado do CDS não se revê em Marcelo e setores importantes do PSD estão desconfortáveis com o deliberado afastamento do professor em relação à sua família política. O que tinha como alvo os votos de uma esquerda distraída pode não ter resultado como esperava, em particular depois dos infelizes desempenhos nos debates televisivos, que revelaram um Marcelo frágil, muito diferente do professor das récitas de domingo. O candidato das audiências televisivas pode ter confundido popularidade com seriedade institucional, que são coisas diferentes. Por fim, pode vir a ser vítima de uma “abstenção por convicção de vitória” que resulta das sondagens e do seu discurso de triunfo.

Paulo Morais revelou-se o verdadeiro demagogo. Com um discurso hipócrita, que desmorona quando é confrontado com as suas fugas à responsabilidade, para ele todos os políticos, partidos e instituições democráticas – Tribunal Constitucional incluído – são corruptos, cúmplices de corruptos ou incompetentes, e todos os Presidentes da República foram corta-fitas. Este militante do PSD até 2013, membro da JSD aos 16 anos, que conviveu sem problemas com os casos de colegas corruptos e que diz, sem abranger o ridículo, “os jovens que entram nos partidos é porque querem tacho”– no caso dele funcionou –, foi vice-presidente da Câmara do Porto e revela um discurso tão populista e insultuoso, tão ressentido contra a democracia, que é fácil descobrir nele os tiques de um caudilho. Um clássico.

Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva e Marisa à esquerda

Edgar Silva e Marisa Matias têm o mesmo objetivo: fidelizar eleitorado, passar uma mensagem política, consolidar organizações no terreno, garantir que as lógicas de simpatia ou de voto útil sejam meramente circunstanciais e não se reflitam em batalhas maiores, como as eleições autárquicas ou legislativas. Mas se isso se revelou até hoje uma prática certeira para o PCP, que vê sempre os seus resultados diminuírem em presidenciais sem que isso os afete nas legislativas seguintes – o eleitorado comunista não se confunde com as prioridades e objetivos –, já com Marisa Matias é um desafio tremendo tentar segurar parte substancial do eleitorado recente do Bloco.

Sampaio da Nóvoa é, de todos, o candidato à esquerda em melhores condições de passar a uma segunda volta. Hoje é claro aquilo que era óbvio desde o princípio: é o candidato não oficializado do PS e, independentemente da substância e profundidade de empenhamentos e convicções, a verdade é que a função de Presidente da República ganha estatuto e dignidade humana com a sua eleição.

Maria de Belém não foi a primeira escolha do PS, foi a de uma fação. Mais que em campanha, andou em missão de desagravo. No fim, deixa algo parecido a um grupo de assalto de descontentes à espreita de uma oportunidade dada pela liderança de António Costa. Numa campanha fraca e sem ideias, revelou-se uma figura politicamente menor.

Recordando 2011, os resultados de Fernando Nobre, 600 mil votos e 14,07%, pairam como uma assombração sobre estas candidaturas. Mas isso é outra história.

Consultor de comunicação, Escreve às quintas-feiras