Domingo ganha a indiferença?


Entre o cansaço dos cidadãos com eleições, o alheamento dos abstencionistas e a indiferença sobre a personalidade adequada para o cargo, teme-se o pior.


Se as sondagens estiverem certas, a campanha eleitoral não terá sido capaz de inverter a concretização, em 2016, do que tinha sido proclamado por Emídio Rangel, em 1997, no documentário “Esta Televisão é Sua”: o poder de uma televisão “vender” um Presidente. Será o triunfo da doutrina: “Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos bocados: um bocado de Presidente da República para aqui, outro bocado para acoli, outro bocado para acolá, vende tudo! Vende sabonetes!” Será o triunfo do alheamento popular sobre a personagem além da imagem construída num tempo de antena mediático de anos, sem contraditório mas com muitas contradições. Será ou não. Depois de dez anos da atual Presidência da República, não deveria ser indiferente quem desempenha as funções para “cumprir e fazer cumprir a Constituição”, mas as sondagens dizem que é mais ou menos irrelevante que seja um sabonete ou alguém com sensibilidade e experiência para o cargo. Entre o cansaço dos cidadãos com eleições, o alheamento dos abstencionistas e a indiferença sobre a personalidade adequada para o cargo, teme-se o pior.

Enquanto assistem a um despudorado campeonato de marcação da agenda política pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, através de projetos de lei e propostas de resoluções apresentadas no parlamento, como se fosse possível desencalhar, de uma penada, todo o passivo de promessas locais e regionais da última década, os portugueses aguardam pelas soluções realísticas do Orçamento do Estado para este ano. Com indiferença em relação à exigência da conjuntura para que o governo concretize as expectativas do novo tempo, os partidos convergentes nas posições políticas conjuntas somam dificuldades às dificuldades, como se os recursos financeiros fossem inesgotáveis e todos os populismos fossem possíveis. E vale tudo nesta voragem.

O Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais os cortes nas subvenções vitalícias dos ex-políticos. Ficámos a saber que, para o tribunal, o princípio da proteção da confiança dos cidadãos é de geometria variável. Ficámos a saber que há pedidos de fiscalização da constitucionalidade de primeira e pedidos de segunda, como se a Constituição não devesse ser sempre respeitada e, na dúvida, o Tribunal Constitucional questionado. Mas regressando ao primado do populismo, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, tentou cavalgar o tema, afirmando que no “BE nunca nenhum deputado nem deputada ou eurodeputada recebeu subsídios de reintegração ou subvenções, mesmo que tivessem direito a ela”. Problema: nenhum deputado do BE tem direito à subvenção vitalícia do parlamento português. As subvenções acabaram em 2005, eram atribuídas a quem tivesse 8 ou 12 anos em funções e o Bloco de Esquerda foi criado em 1999. É fazer as contas.

A cena repete-se. Os CTT foram privatizados, a cobertura dos postos diminuiu e o serviço degradou-se. A ANA – Aeroportos de Portugal foi privatizada e os dedos de uma mão –quase as duas – já não chegam para contabilizar os aumentos das taxas aeroportuárias. A TAP foi privatizada e eliminam-se rotas do Porto e de Lisboa para a Europa e para a América: por exemplo, do Porto para Bruxelas (capital política da União Europeia), do Porto para Milão (centro de negócios do calçado) e do Porto para Barcelona (grande centro de negócios). Pena que o agora indignado eurodeputado Paulo Rangel não tenha levantado a sua voz quando o governo PSD/CDS, à socapa e com as eleições já realizadas, concretizou a privatização.

Que a cena seja diferente. O governo aprovou um plano de descentralização, o reforço da legitimidade democrática das CCDR e das áreas metropolitanas e a criação de uma unidade de missão para a valorização do interior para desenvolverem trabalho estruturado e articulado com as autarquias locais, no primeiro caso até final do primeiro semestre de 2017. Que se inverta o ciclo de perda e de arrogância do poder central e seja valorizado o poder local e o interior.

Almeida Santos deixou-nos. Com obra, com um legado de sentido de equilíbrio e de sentido de justiça alicerçados na palavra certa e no seu exemplo cívico e político, pleno de serena determinação. Deixou-nos, a combater, esse respirar de liberdade e de democracia que devemos preservar, sem indiferenças, mas com a certeza de que, para termos razão, não precisamos de subir os decibéis da voz, alterar as convicções ou modelar o humanismo. Portugal perdeu um dos seus maiores e eu nunca mais vou ouvi-lo perguntar-me “como estás, meu velho?”.
A sabedoria faz-nos sempre falta.

Membro da comissão política nacional do PS, Escreve à quinta-feira


Domingo ganha a indiferença?


Entre o cansaço dos cidadãos com eleições, o alheamento dos abstencionistas e a indiferença sobre a personalidade adequada para o cargo, teme-se o pior.


Se as sondagens estiverem certas, a campanha eleitoral não terá sido capaz de inverter a concretização, em 2016, do que tinha sido proclamado por Emídio Rangel, em 1997, no documentário “Esta Televisão é Sua”: o poder de uma televisão “vender” um Presidente. Será o triunfo da doutrina: “Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos bocados: um bocado de Presidente da República para aqui, outro bocado para acoli, outro bocado para acolá, vende tudo! Vende sabonetes!” Será o triunfo do alheamento popular sobre a personagem além da imagem construída num tempo de antena mediático de anos, sem contraditório mas com muitas contradições. Será ou não. Depois de dez anos da atual Presidência da República, não deveria ser indiferente quem desempenha as funções para “cumprir e fazer cumprir a Constituição”, mas as sondagens dizem que é mais ou menos irrelevante que seja um sabonete ou alguém com sensibilidade e experiência para o cargo. Entre o cansaço dos cidadãos com eleições, o alheamento dos abstencionistas e a indiferença sobre a personalidade adequada para o cargo, teme-se o pior.

Enquanto assistem a um despudorado campeonato de marcação da agenda política pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, através de projetos de lei e propostas de resoluções apresentadas no parlamento, como se fosse possível desencalhar, de uma penada, todo o passivo de promessas locais e regionais da última década, os portugueses aguardam pelas soluções realísticas do Orçamento do Estado para este ano. Com indiferença em relação à exigência da conjuntura para que o governo concretize as expectativas do novo tempo, os partidos convergentes nas posições políticas conjuntas somam dificuldades às dificuldades, como se os recursos financeiros fossem inesgotáveis e todos os populismos fossem possíveis. E vale tudo nesta voragem.

O Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais os cortes nas subvenções vitalícias dos ex-políticos. Ficámos a saber que, para o tribunal, o princípio da proteção da confiança dos cidadãos é de geometria variável. Ficámos a saber que há pedidos de fiscalização da constitucionalidade de primeira e pedidos de segunda, como se a Constituição não devesse ser sempre respeitada e, na dúvida, o Tribunal Constitucional questionado. Mas regressando ao primado do populismo, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, tentou cavalgar o tema, afirmando que no “BE nunca nenhum deputado nem deputada ou eurodeputada recebeu subsídios de reintegração ou subvenções, mesmo que tivessem direito a ela”. Problema: nenhum deputado do BE tem direito à subvenção vitalícia do parlamento português. As subvenções acabaram em 2005, eram atribuídas a quem tivesse 8 ou 12 anos em funções e o Bloco de Esquerda foi criado em 1999. É fazer as contas.

A cena repete-se. Os CTT foram privatizados, a cobertura dos postos diminuiu e o serviço degradou-se. A ANA – Aeroportos de Portugal foi privatizada e os dedos de uma mão –quase as duas – já não chegam para contabilizar os aumentos das taxas aeroportuárias. A TAP foi privatizada e eliminam-se rotas do Porto e de Lisboa para a Europa e para a América: por exemplo, do Porto para Bruxelas (capital política da União Europeia), do Porto para Milão (centro de negócios do calçado) e do Porto para Barcelona (grande centro de negócios). Pena que o agora indignado eurodeputado Paulo Rangel não tenha levantado a sua voz quando o governo PSD/CDS, à socapa e com as eleições já realizadas, concretizou a privatização.

Que a cena seja diferente. O governo aprovou um plano de descentralização, o reforço da legitimidade democrática das CCDR e das áreas metropolitanas e a criação de uma unidade de missão para a valorização do interior para desenvolverem trabalho estruturado e articulado com as autarquias locais, no primeiro caso até final do primeiro semestre de 2017. Que se inverta o ciclo de perda e de arrogância do poder central e seja valorizado o poder local e o interior.

Almeida Santos deixou-nos. Com obra, com um legado de sentido de equilíbrio e de sentido de justiça alicerçados na palavra certa e no seu exemplo cívico e político, pleno de serena determinação. Deixou-nos, a combater, esse respirar de liberdade e de democracia que devemos preservar, sem indiferenças, mas com a certeza de que, para termos razão, não precisamos de subir os decibéis da voz, alterar as convicções ou modelar o humanismo. Portugal perdeu um dos seus maiores e eu nunca mais vou ouvi-lo perguntar-me “como estás, meu velho?”.
A sabedoria faz-nos sempre falta.

Membro da comissão política nacional do PS, Escreve à quinta-feira