“As Savages nunca fazem encores, mas hoje vamos fazer um.” Foi com esta frase que Jehnny Beth voltou a subir ao palco depois de terminado o concerto surpresa que deram em outubro, no Lux, anunciado com apenas uma semana de antecedência – em que Beth chegou a comentar estar surpreendida com tanta gente na sala depois um aviso feito em cima da hora. Não surpreende por isso que tenha sido este concerto o primeiro assunto de conversa assim que nos atenderam o telefone para falar do novo disco. Não era Beth, era Ayse, a guardiã desse poderoso baixo que não adormece nunca. Nome difícil de acertar na pronúncia, já se adivinhava pelo apelido da baixista, Hassan, que vem das suas origens turcas. Ayse (diz-se “Ayshe”) confirma que as Savages só tinham mesmo feito encores duas vezes. “Não o devemos fazer só porque é algo que as bandas fazem, só deve ser feito se houver uma razão para o fazermos”, explica. E parece que no último concerto que deram em Lisboa houve mesmo. “O público foi tão incrível que sentimos que tínhamos que corresponder ao que nos tinham dado.”
Essa última viagem das Savages a território luso (isto parece estar a tornar-se um caso sério de dependência) deveu-se à gravação do vídeo de “The Answer”, primeiro tema de “Adore Life”, o disco que lançam neste início de 2016 e que tinham acabado de gravar por essa altura. “Quando estávamos a pensar no vídeo pensámos também onde é que tínhamos o melhor público. Tínhamos várias opções, mas achámos que era altura de dar algo em troca aos fãs portugueses, de os convidar para passarem um tempo connosco”, conta Ayse. “É excitante tentar algo novo e poder conhecer as pessoas que pagam para ver os nossos espetáculos.”
O resultado foi aquele moshpit num armazém com miúdas a tirarem as t-shirts, algo muito condizente com o tom mais pesado que as Savages puseram em “Adore Life” e que vale a pena ir espreitar ao YouTube. Quem esteve nesse concerto de que, pelos vistos, nem elas se esquecem reconhecerá várias das faixas do novo disco. “The Answer”, “Adore”, ou “T.I.W.Y.G.” (this is what you get when you mess with love), que é bem capaz de ser das coisas mais pesadas que já lhes saíram, com o característico pós-punk das Savages já a ser contaminado pelo hardcore (um género que Beth conheceu pela mão do seu namorado Johnny Hostile, que produziu este disco). Um tema que corresponde bem àquilo que queriam para o seu segundo disco, depois da estreia em 2013 com o arrebatador “Silence Yourself”: explorar contrastes e contradições.
“Love is the answer”, como ouvimos Beth em “The Answer”. A resposta para o que procuravam – elas que no passado criaram músicas como “Hit Me”, que se julgou ser sobre violência doméstica mas afinal era sobre sexo – não era a mais óbvia mas estava mesmo no amor e em combiná-lo com este som pesado e agressivo. “Temos andado em tour nos últimos anos e esses anos mudaram-nos e moldaram-nos de muitas maneiras. Era importante que este disco fosse diferente do outro, porque musicalmente já tínhamos explorado muitas opções ao vivo e isso implicava abordarmos e escrevermos o segundo disco de uma forma diferente. Foi o que fizemos.”
Isto não são canções de amor
“This is not a love song”, já cantavam os PiL de Johny Lydon, uma das bandas a que imediatamente as Savages foram coladas quando surgiram. Estas não são mesmo canções de amor. Ou melhor, não são as mais óbvias canções sobre amor.
“Queríamos criar um contraste entre a música e as letras”, explica Ayse, e foi assim que chegaram à fórmula que descodifica todo o disco. “Temos a contradição de ter palavras lindas a serem ditas com linhas de baixo muito agressivas e um som de guitarra muito abrasivo. Normalmente, quando temos uma canção que explora o tema do amor ela tende a ser muito agradável de ouvir.”
Um passeio pelas letras deste novo ajudará a perceber isto melhor: ”I’m not gonna hurt you/ ‘Cause I’m flirting with you/ I’m not gonna hurt myself”; ”This is what you get when you mess with love”; ”Sleep with me/ And we’d still be friends/ Or I know/ I’ll go insane”; ”When I take a man/ Or a woman/ They’re both the same/ They’re both human”; ”When I’m with you/ I want to do/ All the things that/ I’ve never done”; ou ”When I take a man/ At my command/ My love will stand/ The test of time”. Pelo meio, e vem mesmo mais ou menos a meio, uma “Adore” sobre a importância da vida e essa decisão de viver. Mas para Beth tudo isto é uma “doença”, como disse em entrevista à “Pitchfork”.
Escreve a mesma revista sobre este último disco da banda britânica composta pela francesa Jehnny Beth, Gemma Thompson, Ayse Hassan e Fay Milton, que “nem sempre chega à altura do seu hino de assinatura ‘Husbands’ mas que tem vários pontos altos”.
E não demoraremos a poder ouvi-lo outra vez por estas bandas, elas não se cansam mesmo de nós. Promessa de Ayse, que garante que o próximo concerto em Portugal está para muito breve e que nos convida para irmos ter com ela. “Vai ser ótimo.” Ficamos à espera. Entretanto, aproveitamos para lembrar que é bom que não se esqueça de pôr o telemóvel em silêncio. Jeanny Beth não lhe ia perdoar.