Faz este ano 40 anos que aconteceu o 25 de Abril e voltamos a ter alguns problemas sociais e económicos que julgávamos ultrapassados. O que é que falhou?
Falhou muita coisa. Falhou a globalização política suscetível de travar a irresponsabilidade da globalização económica e financeira. E falhou, deixando-se travar – espero que não definitivamente – o sucesso do projeto federalista europeu…
É possível sair desta crise e voltar a ter os níveis de vida que o país já conheceu?
Possível é. Mas isso implica outros entendimentos e outra cooperação entre países, europeus e não europeus, cada vez mais ligados por laços económicos, políticos e sociais umbilicais. À globalização económica, financeira, tecnológica e comunicacional, únicas globalizadas, ainda que mal, tem continuado a faltar a cúpula da globalização política, travada por aquelas globalizações. E entretanto também se globalizaram os mais graves problemas que afetam a humanidade – o problema populacional, o problema ecológico, a criminalidade universal, a violência, o desemprego e a pobreza.
A pergunta que muita gente faz é se um governo do PS fará diferente deste ou se corremos o risco de o PS chegar ao governo e praticar uma política idêntica devido às condicionantes exteriores. Em França, Hollande desiludiu muita gente de esquerda. O PS pode prometer que vai ser diferente, que vai haver menos austeridade?
Qualquer que seja o governo que vier a substituir o atual, e nomeadamente se esse governo for da responsabilidade do PS, governará de modo, no essencial, diferente. Foi tão pouco recomendável o caminho seguido por este que a continuidade das vias políticas, económicas e financeiras por ele seguidas está de antemão condenada a uma total rutura. O mundo tem de recuperar o equilíbrio e a sensatez de um Keynes, e o tempero das medidas com que foi controlada a grande depressão do século passado e tornados possíveis os 30 anos gloriosos que se lhe seguiram.
Pertenceu a um governo de coligação PS/CDS e, mais tarde, a um governo entre o PS e o PSD. Porque é que o PS se aliou sempre com a direita?
Entre outras razões porque nenhum partido de esquerda teria, nessa oportunidade, aceitado coligar-se com o PS, já então orientado para a adesão à Comunidade Europeia, nem o agudizar nesse então das relações entre o PS e os partidos à sua esquerda teria viabilizado com êxito uma qualquer coligação. Foi o patriotismo do PS que tornou possíveis essas duas coligações, que não ficaram a figurar entre as menos bem sucedidas do pós-25 de Abril. A conjuntura ajuda a explicar o seu relativo êxito.
Foi testemunha de alguns desse acordo. Eles foram possíveis porque os líderes políticos eram mais responsáveis?
A qualidade dos líderes de então do PSD (Mota Pinto) e do CDS (Freitas do Amaral) facilitou as duas coligações do PS à direita. Mas também é verdade que presidiu a uma e outra um sentido de responsabilidade e de supremacia de interesse nacional que talvez não se tenha repetido. Se os políticos eram mais responsáveis? Foram responsáveis. A conjuntura é que não se repetiu.
O governo de José Sócrates é acusado de ter deixado o país nas mãos da troika e de ter levado o país à bancarrota. Tem havido alguma injustiça na análise à governação de Sócrates?
É claro que tem havido injustiça, e não pouca. José Sócrates, como primeiro-ministro, teve um primeiro mandato de grande mérito. As reformas que liderou, nomeadamente nas áreas da ciência, da educação e da saúde, credenciaram-no como um primeiro-ministro de grande mérito. Mas no segundo mandato, a liderar um governo de minoria, teve de enfrentar o impacto da grave crise que se abateu sobre o mundo, e com particular agressividade sobre os países da União Europeia. Tentou dar-lhe resposta, nomeadamente através do PEC IV, visando evitar o que se passou depois, nomeadamente o desastroso patrocínio político da troika, mas foi vencido no parlamento. Melhor sorte teve a Espanha e a Itália, que se viram livres dela. A partir daí, e em resultado das novas eleições, a direita neoliberal nacional passou a impor as novas regras do jogo político, e sobretudo económico e financeiro, e foi o que se viu: o agravar da crise, o consequente empolar da dívida e do défice, e a explosão do desemprego, para só referir o principal. O país foi ficando mais pobre, mais infeliz, mais desprotegido e menos livre.
Mas o PS não tem responsabilidade na crise?
O governo e os seus tenores passaram a imputar ao governo do PS a responsabilidade pela crise, como se se tratasse de uma crise exclusivamente nacional e não tivesse tido bem conhecidas origens globais e externas, aliás no mais rico país do mundo. O banco Lehman Brothers, um dos supostamente mais sólidos bancos dos Estados Unidos e do mundo, não teve quem o salvasse da falência. E a partir daí, e da bolha imobiliária que acabou por merecer a honra de causa principal da crise, o equilíbrio económico e financeiro de grandes espaços globais fez questão de entrar em colapso de tal gravidade que veio a competir, se não compete ainda, com a maior crise bancária, económica e financeira de sempre: a da Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Apesar disto, a culpa da crise em Portugal foi do último governo do PS e de José Sócrates? O governo defendeu e continua a defender esse absurdo. E o PS, e os seus novos dirigentes, continua, no discurso do atual governo, se não até certo ponto nas sondagens, a pagar parte do preço dessa fantasia. Mas o decurso do tempo encarregou-se, e continua a encarregar-se, de corrigi-la.
A atual direção do PS é por vezes criticada internamente por defender timidamente o legado de José Sócrates. O PS – ou esta direção – devia orgulhar-se mais do seu passado recente?
Gerir a política de um partido como o PS é gerir equilíbrios, em por vezes delicadas situações de facto. E ninguém consegue presidir a um partido imune a críticas. Internas e sobretudo externas. Mas não falta na direção do PS quem reconheça o mérito de José Sócrates, ou o mérito da própria direção.
Foi presidente da Assembleia da República, ministro, deputado, entre outros cargos de relevo. Houve algum cargo político que tenha pena de não ter desempenhado?
Só um. O único a que concorri sem ter sido eleito. O lugar de primeiro-ministro. Mas a divisão do eleitorado em dois partidos concorrentes – o próprio PS e o PRD, da iniciativa do então Presidente da República Ramalho Eanes, fez com que os presumíveis 40% de votos do PS ficassem divididos pelo PRD – 18% e o PS – 22%. E lá se foi a vitória nas eleições. O agora Presidente Cavaco Silva ganhou com 29%. A menor maioria de sempre!
Gostaria de ter sido primeiro-ministro quando o país aderiu à Europa?
Nessa altura tive pena. Pouco depois Portugal entrava na CEE, projeto sedutor que me tinha seduzido mais a mim do que a Cavaco Silva. Tive também a possibilidade de ser candidato à Presidência da República. António Guterres proporcionou-me a candidatura, e eu cheguei a admitir aceitá-la. Mas, por razões que não vêm ao caso, entre elas a de que era mais fácil, mais cómodo e mais atrativo para mim ser presidente da Assembleia da República, como vim a ser, desisti dela e abri espaço à candidatura do meu camarada e amigo Jorge Sampaio, cuja campanha de candidatura entusiasticamente apoiei. E que veio a ser um Presidente talvez melhor do que eu próprio teria sido, sendo certo que também não fui um mau presidente da Assembleia.