O estímulo ao consumo interno está proscrito na cartilha do PSD de Passos Coelho e tem valido muitas críticas dos sociais-democratas à política de António Costa. Mas isso não impediu Marcelo Rebelo de Sousa de explicar ontem porque é que essas medidas para pôr os portugueses a consumir mais podem ser tão importantes.
“Uma coisa são os esquemas teóricos de gabinete, outra coisa é conhecer o país real”, argumentou num almoço em Lisboa com empresários e comerciantes, durante o qual defendeu o “papel importante e insuperável do consumo interno”.
Para o candidato, o caminho para sair definitivamente da crise passa por um modelo de crescimento económico no qual as exportações devem continuar a ter um papel central, mas sem esquecer a importância do consumo interno.
“Precisamos de um modelo realista para a nossa economia”, disse Rebelo de Sousa, com críticas à governação feita através de modelos teóricos – como a famosa folha de excel do governo de Passos – que não têm em conta o país real.
A alfinetada a Passos Coelho está dada, mesmo que Marcelo tenha prometido não se enervar até ao final da campanha – pelo menos com os adversários que o enfrentarão no debate de logo à noite. “Eles querem que eu me enerve, mas eu conto até 100. E quando chegar a 100, a campanha acabou”, dizia no domingo, em Aveiro, sobre os ataques que espera dos restantes nove candidatos a Belém.
Quanto às rasteiras que vêm do PSD, Rebelo de Sousa deixou escapar um “é a vida”, mas continua a seguir um discurso com indiretas a Passos, ao mesmo tempo que defende a importância da estabilidade da solução de governação encontrada à esquerda por António Costa.
A força do hábito de comentar a atualidade política levou mesmo Marcelo Rebelo de Sousa a apontar ontem os “dois desafios” que a oposição de direita terá de enfrentar.
Os desafios de Passos
“O primeiro desafio é o de se refazer na oposição”, comentou o professor, que garante saber por experiência própria o que custa passar de um ciclo de poder para a oposição. Numa altura em que nomes como Rui Rio, Ângelo Correia e Paulo Rangel começam a falar na necessidade de repensar o caminho do PSD, o candidato engrossa a lista dos que acham que o partido vai ter de se reinventar para ganhar espaço político. Rebelo de Sousa fala, aliás, num “desafio de autodefinição” para o PSD.
Marcelo vê ainda um “segundo desafio” para os sociais-democratas: o de ter uma atitude “que seja ao mesmo tempo de abertura aos consensos de regime e de formulação de alternativa”.
As rasteiras a Marcelo
Mas se Marcelo não resistiu, ainda que de forma indireta, a atacar a linha do governo de Passos Coelho e a comentar a tarefa que terá na oposição, a verdade é que o líder do PSD também não tem evitado dar dores de cabeça ao candidato presidencial do centro-direita.
“Queremos que destas eleições possa sair alguém que se afirme com independência e autonomia, que possa colaborar com o governo que está em funções ou com outro que os portugueses venham a escolher quando acharem que é tempo de mudar de governo, e esse alguém é, do nosso ponto de vista, Marcelo Rebelo de Sousa.” A declaração é de apoio, mas foi feita no sábado num jantar da campanha para as eleições autárquicas intercalares de São João da Madeira, precisamente a campanha que Marcelo invocou para justificar a ausência do líder social-democrata das suas ações para as presidenciais.
“Talvez seja sensato não misturar a campanha partidária e a não partidária”, defendia o candidato depois de, em entrevista ao “Público”, ter dado a entender que ia – como se tem verificado até agora – evitar ficar na fotografia de campanha ao lado de Passos e Portas.
Os avisos a Costa
Apesar das trocas de galhardetes à direita e das promessas de estabilidade à esquerda, Marcelo também deixou recados para Costa.
O candidato usou o almoço com empresários do comércio para sublinhar a importância da concertação social e para evitar a ideia de que há parceiros mais importantes do que outros. “Todos são importantes”, sublinhou, numa indireta ao governo, que tem sido acusado de passar por cima da concertação social e de dar menos atenção aos patrões à boleia dos acordos à esquerda.
Marcelo criticou também, como já tinha feito na semana passada, as mudanças constantes no sistema educativo. E alertou para a dificuldade de “compatibilizar as medidas sociais com a estabilidade financeira”.