O mercado de trabalho português está mais esgotante, mais injusto e cínico, mais absorvente, mais violento e exige um esforço que traz recompensas cada vez menores aos trabalhadores. Se o perfil traçado em 2014 pela Mastering Jobs & People (MJP) já era negativo, agora, a evolução detetada no “barómetro de avaliação de riscos psicossociais” é ainda pior: 67% dos critérios apresentam “riscos elevados”.
Antes de mais, o que são riscos psicossociais? A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho explica: “Os riscos psicossociais decorrem de deficiências na conceção, organização e gestão do trabalho, bem como de um contexto social de trabalho problemático, podendo ter efeitos negativos a nível psicológico, físico e social tais como stresse relacionado com o trabalho, esgotamento ou depressão.” Em última análise, essa má gestão pode trazer consigo “um fraco desempenho geral da empresa, aumento do absentismo, ‘presenteísmo’ (trabalhadores que se apresentam ao trabalho doentes e incapazes de funcionar eficazmente) e uma subida das taxas de acidentes e lesões”.
Encarar o problema de frente será do interesse de trabalhadores, empresários e entidades públicos. No entanto, os autores do barómetro lamentam a falta de intervenção desde que, em 2014, foram lançados os primeiros dados a este respeito. Mas já lá vamos.
Riscos “muitos elevados”
Primeiro, os resultados. Entre 2014 e 2015, o inquérito da MPJ – uma organização especializada em comportamento humano e organizacional – foi respondido por 4729 pessoas de três áreas profissionais: saúde, educação e serviços dos setores público e privado (entre 2008 e 2013, para o primeiro estudo, houve quase 39 mil contributos). As respostas foram agrupadas em quatro níveis, desde a categoria “sem risco” até ao “elevado risco”, e o resultado desses contributos foi traduzido num barómetro em que se espelha a evolução da perceção que os portugueses têm da sua atividade profissional – que está longe de ser animadora.
Dos 18 tópicos em análise (Violência, Civilidade, Controlo, Comunidade, Exaustão, Sobrecarga, Justiça, Valores, Vigor, Absorção, Recompensa, Dedicação, Energia, Realização, Cinismo, Implicação, Mobbing e Assédio), doze (os últimos da lista) apresentam o mais elevado grau de risco para os trabalhadores.
Nove deles agravaram-se, desde 2014, para o nível mais alto de risco, sendo que dois (Violência e Civilidade passaram de “baixo risco” para “moderado”). Ao todo, seis critérios (Sobrecarga, Exaustão, Comunidade, Controlo, Civilidade e Violência) surgem com “risco moderado”, mas não há um único critério que fique abaixo desse segundo nível mais grave.
Perante o agravamento generalizado, o coordenador do estudo, João Paulo Pereira, considera que “o mais preocupante é a diminuição da preponderância dos fatores positivos e que até determinada altura estavam a funcionar como fatores de proteção”, mas que “estão agora a desaparecer”, sem que existam perspetivas concretas de uma reversão deste cenário. Há “sensações de mudança”, fruto da reviravolta política a que se assistiu no final do ano passado, mas que não são ainda suficientes para antecipar alterações significativas a este respeito.
O cenário, que já era negro, não ficou melhor nos últimos dois anos. E isso, na opinião do coordenador do estudo, deve-se, por um lado, às ondas de choque da crise económica que o país viveu a partir de 2011. Por outro lado, aponta o professor universitário, “muito pouco foi feito” para minimizar os riscos identificados no primeiro relatório. “Deixámos claro, no último trabalho, o papel [da intervenção] para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar dos trabalhadores”, sublinha.
Falta de intervenção
Quando foram publicados os primeiros resultados do estudo, houve até alguma reação. Os autores foram recebidos na Assembleia da República e puderam apresentar as conclusões do seu trabalho aos deputados das áreas da Saúde, Emprego e Segurança Social. E foi tudo.
Talvez ainda por culpa do contexto que o país viveu. “Acreditamos que as preocupações troikianas vividas nestes últimos anos não deixaram espaço para estas questões”, sugere João Paulo Pereira. Mesmo assim, nem tudo ficou perdido, Os autores do estudo (são quatro, além do docente universitário) consideram que o primeiro dos objetivos – alertar para a existência do problema – foi cumprido. “Nesta parte, e infelizmente só nesta, conseguimos.”
Agora, seria preciso dar o segundo passo e agir. Desde logo, porque os problemas identificados têm solução. João Paulo Pereira refere que 40% das respostas deixaram claro que “esta questão não é uma fatalidade, mas sim um desafio, bastando para tal que a vontade das empresas e do regulador existisse”.
Soluções conhecidas
As formas de intervir para reduzir os riscos para empresas e trabalhadores não são novas. Elas já foram apresentadas em 2014 e, neste momento, bastará um copy-paste daquilo que foi partilhado na altura.
As medidas passam pela “elaboração, de forma coerente e baseada em informação concreta, de planos de ação e [a própria] ação, quer com indicação governamental, quer com envolvimento organizacional, para que a lei se cumpra” e para que se previna “a exposição dos trabalhadores àqueles que são considerados os fatores de potencial desenvolvimento de risco”.
O coordenador do estudo deixa algumas dicas de intervenção: uma intervenção empresa a empresa e serviço a serviço “para que o processo possa ser global”, formação e intervenção nas áreas da Saúde e Higiene no Trabalho.