Banif põe em risco programa contra a austeridade

Banif põe em risco programa contra a austeridade


Centeno revela em Bruxelas que saída do défice excessivo é difícil. Governo perde flexibilidade orçamental para apoiar o crescimento


O ministro das Finanças revelou ontem em Bruxelas que a intervenção no Banif, no final do ano passado, dificulta a saída do procedimento por défices excessivos (PDE). O governo arrisca assim perder flexibilidade orçamental para financiar parte das reformas estruturais e apoios ao investimento que previa no seu programa.

“Infelizmente, a situação que se pôs com a necessidade de intervenção no Banif coloca dificuldades na saída do procedimento por défices excessivos”, assumiu Mário Centeno no final do Eurogrupo, onde aproveitou para discutir o défice com o comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Fiscalidade e União Aduaneira, Pierre Moscovici.

A injeção de 2,2 mil milhões de euros no banco, no final do ano passado, deve levar o défice a um valor acima de 4%. Contudo, António Costa e o próprio ministro tinham dado indicações de que a operação poderia ser contabilizada como uma despesa extraordinária, que não contaria para efeitos do défice excessivo. Mário Centeno admite agora que essa ambição está mais longe. “O que as regras dizem dificulta, de facto, essa saída em 2015.”

Implicações

Portugal está desde 2009 sob um PDE, que implica vigilância reforçada da Comissão Europeia no que diz respeito a medidas orçamentais. Deveria sair em 2015 desse processo, mas a decisão sobre a saída só será tomada depois de março, quando o Instituto Nacional de Estatística revelar as contas finais de 2015 e o Conselho Europeu se pronunciar sobre o tema.

Caso se comprove a derrapagem no prazo para sair do défice excessivo, pode haver implicações devido às regras europeias. Estar sob um PDE significa que as medidas orçamentais têm de seguir as recomendações do Conselho Europeu e, no limite, pode até haver sanções monetárias superiores a 0,2% do PIB – cerca de 360 milhões de euros no caso português.

Claro que, como em muitas outras ocasiões, as negociações em Bruxelas podem levar a que a Europa feche os olhos às derrapagens. Neste momento há 11 Estados-membros sob PDE, e apenas dois nunca estiveram nessa situação.

Mais do que potenciais sanções, a manutenção do PDE deverá antes significar que Portugal vai perder flexibilidade orçamental. Com a Comissão Juncker, a interpretação do Pacto de Estabilidade e Crescimento foi flexibilizada e, para os países que não se encontram sob estes procedimentos, há alguma margem de manobra acrescida para cumprimento das metas orçamentais.

É a chamada cláusula de investimento, que permite que os países se desviem temporariamente da sua rota em direção a objetivos orçamentais de médio prazo, caso essa derrapagem esteja associada à participação em projetos de investimento cofinanciados por fundos europeus ou cobertos pelo Fundo Juncker.

Pelas contas da anterior ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, Portugal poderia beneficiar de uma margem adicional de 450 milhões de euros na consolidação orçamental.

20 medidas revertidas

Como parte das medidas económicas do programa do PS poderiam beneficiar desta cláusula, a manutenção do PDE implica menos margem de manobra.

O governo tem vindo a anunciar múltiplas medidas de reversão da austeridade, mas o impacto orçamental ainda está a ser ultimado para o Orçamento do Estado – cuja versão preliminar deverá seguir para Bruxelas na próxima semana. Não é claro que medidas poderiam contar da cláusula de flexibilidade, mas o programa de governo abrange um vasto leque de medidas antiausteridade.

Até ao momento, há pelo menos 20 medidas de Passos e Portas que António Costa mandou ao ar em menos de três meses de governo. Da subida do salário mínimo nacional à reversão da venda da TAP e das subconcessões dos transportes públicos de Lisboa e Porto, passando pela reposição das 35 horas semanais de trabalho e acabando na descida do IVA da restauração, pouco resta das medidas mais emblemáticas do anterior executivo.

À esquerda fala-se na reposição de direitos, garantindo-se que o que está a ser feito não irá pôr em causa os compromissos firmados com a Europa. À direita, PSD e CDS arrepiam-se com o que dizem estar a ser uma política despesista que deita por terra o que foi conseguido à custa da austeridade. “Reverter e destruir é muito pouco para um programa de governo”, atacou Passos Coelho esta semana em entrevista à Renascença, defendendo que a estratégia de Costa é “arriscada”.

Com os acordos à esquerda como caderno de encargos, o primeiro-ministro não tem perdido tempo em passar à prática as promessas. “Podem habituar-se: aquilo que nós prometemos é aquilo que iremos cumprir”, sublinhou Costa no sábado na comissão política do PS, voltando a atacar o governo de Passos por ter assinado o contrato de venda da TAP já depois de estar demitido.

“Isso vai dar muitas dores de cabeça”, assegura ao i um ex–governante de Passos, que acredita que a batalha jurídica para a reversão da privatização da operadora aérea portuguesa e da concessão da Carris, do Metro e da STCP terá custos elevados para o país. “É triste e é preocupante”, comenta a mesma fonte.

São, contudo, medidas como essas que têm valido ao governo PS um estado de graça parlamentar, no qual PSD e CDS acabam por ser sempre os mais atacados nos debates, mesmo quando entre PS, BE, PCP e PEV a sintonia não é total – como aconteceu ainda esta quarta-feira na discussão da reposição das 35 horas semanais de trabalho.

joao.madeira@ionline.pt

margarida.davim@ionline.pt