Messi pega na bola, finta quatro jogadores do Athletic de Bilbau e marca um golo de génio (foi a a 30 de maio de 2015). Alguém aqui faz melhor? Espere aí, Florenzi decide, quatro meses depois, puxar o pé atrás encostado à direita e, do meio-campo, fuzila a baliza do guarda-redes, e logo do Barcelona, a equipa do Balón D’Or argentino. Desta é que o craque não estava à espera. Só que do Brasil, Wendell Lira, um “garoto” de 26 anos, resolveu sair da lanchonete (snack-bar) da mãe, largar as panelas e tachos por uns minutos, para ir fazer o melhor golo do mundo frente ao Atlético Goianense, dois meses antes do que qualquer um dos outros nomeados – e mais, é a primeira vez que o vencedor deste prémio vem de um campeonato estatal. David decidiu derrotar os Golias do futebol, só que na altura apenas 389 pessoas assistiram ao genial pontapé de bicicleta. Esta semana foram milhões a olhar para alguém, em lágrimas, a acordar de um sonho onde “conheceu jogadores que só via nos vídeo jogos” como disse no seu discurso, que passou por fases de verdadeiro pesadelo.
Quase no Milan Conhecer a história do jogador que passou despercebido pelos holofotes na gala da FIFA da passada segunda-feira em Zurique é perceber que a ambição e a realidade por vezes zangam-se uma com a outra. Começou nas equipas de formação do Goiás, demonstrando já talento aos 16 anos em 2006 no campeonato estatal. Chegou mesmo a jogar lado a lado com Alexandre Pato na seleção brasileira sub-20, e um ano depois, em oito jogos, marcou sete golos.
Nesse ano, o primeiro e único colosso a surgir na sua vida, o Milan, faria uma proposta pelo jogador, mas que Lira viu fugir. “Eu entendi a decisão do Goiás, tinha acabado de subir ao profissional e estava louco para jogar de qualquer jeito”, disse à Globo. Seria Pato a ser o escolhido pelos italianos tempos mais tarde. E nas temporadas seguintes, lesões musculares afetaram este David. Duas no joelho rompendo os ligamentos, e outra, em 2013, com uma fractura no ombro, durante a semifinal do Campeonato Goiano. O futebol dizia-lhe que “não”, e quase venceu.
De garçon ao Puskas Nos anos seguintes, entre ser emprestado e jogar mais uns minutos, passou por clubes do estado de Goiás sem nunca vingar, com pouca expressão nacional e resolveu pendurar as botas para ajudar a família e juntar uns reais que fizessem de Wendell o melhor pai possível e um marido ideal. De moço dos recados a garçon, chegou à lanchonete no salão de festas do prédio da mãe até receber o telefonema do Goianésia, uma das casas que já o conhecia (para receber 682 euros por mês).
E depois? Depois “de um lance praticamente perdido saiu o golo mais bonito do mundo, nunca tinha visto nada igual”, como conta ao i o director desportivo do clube Fabricio Leopoldo, destacando a dupla que Lira fez com Nonato, o veterano brasileiro que lhe passou a bola para o golaço acrobático. Com um bom trabalho de pré-época, o resultado mais surpreendente chegaria nessa partida que o Goianésia venceria por 2-1, e quando Fabricio perceberia que Lira estava nos três melhores golos, “caiu a ficha”. “Sempre foi um atleta muito dedicado, focado, um exemplo dentro e fora do campo, e muito religioso, e agora, daqui por 100 anos, estaremos na história”.
Acabaria por sair do clube e ser dispensado da série C do Brasileirão, pelo Tombense no verão. “Estou desempregado, treino sozinho e mantenho-me atento para o ano que vem, espero que esse golo me ajude” disse Wendell pouco tempo depois de saber da nomeação.
No dia 11 de Janeiro de 2016, a redenção. O Puskas caiu-lhe nas mãos, a mãe chorou de joelhos na lanchonete ao ver o filho receber a distinção – imagens desse momento circulam nos jornais brasileiros -, com um empurrão dos irmãos na Internet, e com um fato oferecido. “Foi uma honra oferecer-lhe com este fato, é um rapaz inspirador, pai de família, conhecemo-lo depois de uma entrevista que deu onde disse que não tinha nada adequado para levar à gala”, disse ao João Paulo Rangel, um dos donos da loja da região goianense, a Império Trajes – Masculinos, que fez a oferta ao jogador.
Lira voltou ontem para a sua cidade, onde terá uma estátua e selos com a sua cara nos próximos tempos, como garantiu o prefeito Jalles Fountoura de Siqueira. Começa o ano na Série B pelo Vila Nova, a fazer aquilo que mais gosta, jogar futebol.
Este David já não vai para novo, e agora, ao lado da mulher e da filha, vai procurar derrotar outros tantos Golias. Mas o Puskas já ninguém lho tira.