O alcatrão não engana


No país, a expectativa das reversões e das concretizações é tão grande que é incompatível com o cobertor do Orçamento do Estado, seja ele qual for.


Percorrer o país permite-nos o exercício de sintonia com a realidade que o conforto do gabinete não nos confere. E no país, graças ao paradigma instalado pela convergência de esquerda, a expectativa das reversões e das concretizações é grande. Tão grande que é incompatível com o cobertor do Orçamento do Estado, seja ele qual for.

Uma nota prévia para mencionar o enorme passivo em matéria de segurança rodoviária que o anterior governo deixou, quer na rede viária, quer na inexistente estratégia de prevenção e sensibilização dos peões, condutores e motociclistas. Afinal, os milhões do Fundo de Garantia Automóvel foram desviados para a dimensão de repressão dos comportamentos e para a fiscalização, através da aquisição de viaturas para as forças de segurança. Eram necessárias, mas não devia ser esse o destino das verbas. Tudo isto conjugado com o relaxamento das manutenções dos veículos, imposto pelas dificuldades financeiras das famílias, dá uma mistura explosiva que é potenciada pelo aumento da circulação rodoviária. Os números da sinistralidade estão à vista.

Nesta questão da segurança rodoviária, é preocupante o estado de conservação de muitas das vias da nossa rede viária, mas é miserável o que se passa com as infraestruturas que são portajadas. O anterior governo, nas negociações com as concessionárias e nas estradas da sua responsabilidade, permitiu que fossem flexibilizadas as condições de segurança rodoviária, por exemplo através do desligar de pontos de iluminação presentes nas vias nos nós de entrada e de saída. O que é um facto é que a essa redução das condições de segurança, a que acresce a menor manutenção e redução de serviços prestados aos cidadãos, não correspondeu nenhuma redução nos valores pagos pelo uso da infraestrutura. Alguém acha aceitável que entre os quilómetros 51 e 56 da A2, entre Setúbal e a Marateca, sejamos transportados para o Rali Dakar, tantas são as dunas no piso, apesar de estarmos numa infraestrutura em que a segurança deveria ser garantida em função do que é pago? Alguém acha aceitável que persistam os apagões em nós de acesso em pleno inverno, quando os nevoeiros estão muitas das vezes presentes? Também aqui, perante as asneiras de outros, vai sendo tempo de deixarem de ser os cidadãos a pagar sempre a fatura.

Mas regressemos à expectativa do país. Ao longo da campanha eleitoral foi-nos prometida previsibilidade nas nossas vidas e se é certo que os primeiros tempos de qualquer governo são momentos de mudança, não o é menos que a voragem de reversão de situações sem a adequada ponderação dos impactos para as pessoas e para o Estado só pode acabar mal.

Não será fácil compatibilizar compromissos eleitorais, acertos de contas ideológicos, expectativas dos cidadãos, salvaguarda do interesse do Estado e confiança dos investidores estrangeiros no Estado português com a promessa da previsibilidade nas nossas vidas.

A pressa em impor algumas soluções, como aconteceu com a educação, radica na mesma fonte de teimosia que levou à imposição de um novo mapa judiciário pelo anterior governo PSD/CDS sem que estivessem asseguradas as condições de implantação das soluções. Por exemplo, um ano e quatro meses depois da teimosia da então ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, o município de Vila Franca de Xira continua à espera que o Tribunal do Comércio, instalado nos contentores em Loures, seja colocado onde estava previsto. A alteração do modelo de avaliação do ensino básico comunicado pelo governo PS e posteriormente apresentado pelo ministro enferma de algumas incoerências e é o contrário da previsibilidade prometida em campanha. Já nem falo da obscenidade de o modelo ter sido alterado 16 vezes em 20 anos.
O modelo apresentado, com provas de aferição no 2.o, 5.o e 8.o anos, pressupõe que os currículos sejam fechados por ano de escolaridade, o que não corresponde à realidade, porque as escolas públicas e as escolas do ensino particular e cooperativo, com os contratos de autonomia, ganharam o direito a gerir os currículos por ciclo. Portanto, o modelo apresentado, para além da instabilidade com o ano escolar em curso, vem retirar autonomia pedagógica às escolas. E neste ponto, a iniciativa é contrária ao programa eleitoral do PS, que preconizava mais autonomia para as escolas. Nada que um governo com mais alcatrão para contactar e ouvir antes de decidir não resolva. Caso diferente é o leilão das expectativas. Se houver novo hospital no Seixal, qual o critério para não haver um novo hospital central do Algarve ou um novo hospital na região Oeste? Governar a toque das pressões dos integrantes das posições políticas conjuntas que sustentam o governo, sem ter em conta a realidade do país e o contributo dos eleitos locais do PS sobre essa realidade, é uma atitude que colhe no presente, mas não tem futuro. O alcatrão não engana: haverá um momento em que o cobertor não chega.

Membro da comissão política nacional do PS, Escreve à quinta-feira


O alcatrão não engana


No país, a expectativa das reversões e das concretizações é tão grande que é incompatível com o cobertor do Orçamento do Estado, seja ele qual for.


Percorrer o país permite-nos o exercício de sintonia com a realidade que o conforto do gabinete não nos confere. E no país, graças ao paradigma instalado pela convergência de esquerda, a expectativa das reversões e das concretizações é grande. Tão grande que é incompatível com o cobertor do Orçamento do Estado, seja ele qual for.

Uma nota prévia para mencionar o enorme passivo em matéria de segurança rodoviária que o anterior governo deixou, quer na rede viária, quer na inexistente estratégia de prevenção e sensibilização dos peões, condutores e motociclistas. Afinal, os milhões do Fundo de Garantia Automóvel foram desviados para a dimensão de repressão dos comportamentos e para a fiscalização, através da aquisição de viaturas para as forças de segurança. Eram necessárias, mas não devia ser esse o destino das verbas. Tudo isto conjugado com o relaxamento das manutenções dos veículos, imposto pelas dificuldades financeiras das famílias, dá uma mistura explosiva que é potenciada pelo aumento da circulação rodoviária. Os números da sinistralidade estão à vista.

Nesta questão da segurança rodoviária, é preocupante o estado de conservação de muitas das vias da nossa rede viária, mas é miserável o que se passa com as infraestruturas que são portajadas. O anterior governo, nas negociações com as concessionárias e nas estradas da sua responsabilidade, permitiu que fossem flexibilizadas as condições de segurança rodoviária, por exemplo através do desligar de pontos de iluminação presentes nas vias nos nós de entrada e de saída. O que é um facto é que a essa redução das condições de segurança, a que acresce a menor manutenção e redução de serviços prestados aos cidadãos, não correspondeu nenhuma redução nos valores pagos pelo uso da infraestrutura. Alguém acha aceitável que entre os quilómetros 51 e 56 da A2, entre Setúbal e a Marateca, sejamos transportados para o Rali Dakar, tantas são as dunas no piso, apesar de estarmos numa infraestrutura em que a segurança deveria ser garantida em função do que é pago? Alguém acha aceitável que persistam os apagões em nós de acesso em pleno inverno, quando os nevoeiros estão muitas das vezes presentes? Também aqui, perante as asneiras de outros, vai sendo tempo de deixarem de ser os cidadãos a pagar sempre a fatura.

Mas regressemos à expectativa do país. Ao longo da campanha eleitoral foi-nos prometida previsibilidade nas nossas vidas e se é certo que os primeiros tempos de qualquer governo são momentos de mudança, não o é menos que a voragem de reversão de situações sem a adequada ponderação dos impactos para as pessoas e para o Estado só pode acabar mal.

Não será fácil compatibilizar compromissos eleitorais, acertos de contas ideológicos, expectativas dos cidadãos, salvaguarda do interesse do Estado e confiança dos investidores estrangeiros no Estado português com a promessa da previsibilidade nas nossas vidas.

A pressa em impor algumas soluções, como aconteceu com a educação, radica na mesma fonte de teimosia que levou à imposição de um novo mapa judiciário pelo anterior governo PSD/CDS sem que estivessem asseguradas as condições de implantação das soluções. Por exemplo, um ano e quatro meses depois da teimosia da então ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, o município de Vila Franca de Xira continua à espera que o Tribunal do Comércio, instalado nos contentores em Loures, seja colocado onde estava previsto. A alteração do modelo de avaliação do ensino básico comunicado pelo governo PS e posteriormente apresentado pelo ministro enferma de algumas incoerências e é o contrário da previsibilidade prometida em campanha. Já nem falo da obscenidade de o modelo ter sido alterado 16 vezes em 20 anos.
O modelo apresentado, com provas de aferição no 2.o, 5.o e 8.o anos, pressupõe que os currículos sejam fechados por ano de escolaridade, o que não corresponde à realidade, porque as escolas públicas e as escolas do ensino particular e cooperativo, com os contratos de autonomia, ganharam o direito a gerir os currículos por ciclo. Portanto, o modelo apresentado, para além da instabilidade com o ano escolar em curso, vem retirar autonomia pedagógica às escolas. E neste ponto, a iniciativa é contrária ao programa eleitoral do PS, que preconizava mais autonomia para as escolas. Nada que um governo com mais alcatrão para contactar e ouvir antes de decidir não resolva. Caso diferente é o leilão das expectativas. Se houver novo hospital no Seixal, qual o critério para não haver um novo hospital central do Algarve ou um novo hospital na região Oeste? Governar a toque das pressões dos integrantes das posições políticas conjuntas que sustentam o governo, sem ter em conta a realidade do país e o contributo dos eleitos locais do PS sobre essa realidade, é uma atitude que colhe no presente, mas não tem futuro. O alcatrão não engana: haverá um momento em que o cobertor não chega.

Membro da comissão política nacional do PS, Escreve à quinta-feira