No verão de 2014, uma suposta traição de Sara (nome fictício) pôs fim à sua relação de ano e meio com Jorge (nome fictício). Num ato de vingança, Jorge decidiu partilhar num grupo privado, com amigos, uma fotografia de Sara de cariz sexual. Apesar de o arrependimento ter sido quase imediato, não foi suficientemente rápido para evitar que um dos membros divulgasse a imagem de forma pública. Surpreendente nesta história é talvez o final. Poucos meses depois, reataram a relação e o caso nunca chegou às autoridades.
Se Sara tivesse feito uma denúncia, este seria mais um caso a juntar às outras centenas que fazem com que a difamação nas redes sociais continue como a denúncia mais frequente na área do cibercrime em Portugal. Apesar de não existirem estatísticas sobre os crimes praticados nas redes sociais em Portugal – isto porque os registos são efetuados em função do tipo de crime e não do meio em que é praticado – a Procuradoria-Geral da República (PGR) garante, em resposta ao i, que têm dados suficientes para concluir que o cibercrime tem aumentado em Portugal. “Uma das realidades criminais mais denunciadas é a da criação de falsos perfis em redes sociais (em particular no Facebook), com o nome de outra pessoa tendo em vista injuriá-la, difamá-la ou relatar factos da sua vida privada ou denegridores da sua imagem”, explica ainda a Procuradoria.
Investigação dificultada
A identificação dos suspeitos de cibercrime continua a ser uma das principais barreiras da investigação, refere a PGR. “É difícil ter sucesso na identificação de suspeitos se estes utilizarem mecanismos técnicos que, em termos práticos, tornam as suas comunicações quase anónimas. O mesmo se diga de suspeitos que utilizem pontos de acesso públicos à Internet”, acrescenta.
Além disso, o órgão máximo do Ministério Público refere ainda que a investigação deste género de crimes supõe a obtenção de provas digitais, processo que obriga a um constrangimento extra. Se, por um lado, obriga à presença de peritos informáticos, por outro, exige uma atualização de conhecimentos por parte dos magistrados do Ministério Público. Daí que a PGR tenha dedicado o último ano à melhoria da obtenção de provas digitais, através da formação de magistrados e de peritos informáticos na área criminal.
“Apesar de na Internet não haver fronteiras, a investigação criminal continua a tê-las”, lembra a PGR. Recorde-se que as autoridades portuguesas não podem sair das suas fronteiras nem para investigar em territórios de outros Estados.
Para ultrapassar este constrangimento têm sido fundamentais os contactos desenvolvidos com operadores globais, aos quais é possível pedir as mesmas informações que o Ministério Público pode solicitar aos operadores nacionais.
Os dados mais recentes revelam que no primeiro semestre do ano passado, as autoridades portuguesas fizeram 354 pedidos de informação sobre utilizadores e contas do Facebook aos administradores da rede social. Durante todo o ano de 2013, o primeiro em que o Facebook divulgou o pedido de dados de 83 países, Portugal somou 388 pedidos. Já em 2014, o número subiu para 768. A este ritmo, e quando se juntarem os dados da última metade de 2015, prevê-se que seja batido novo recorde.
Portugal segue a tendência mundial de aumento de pedidos de informação online. No total, foram recebidos 41 214 pedidos de informação sobre utilizadores, incluindo endereços de IP, mensagens e informações de contas – uma subida de 18% em relação ao semestre anterior. “A grande maioria destes pedidos está relacionada com processos penais, como roubos ou raptos”, explica o relatório.
Os EUA lideram a lista com mais de 26 mil pedidos, que foram atendidos em 78,85% dos casos. No que diz respeito a casos atendidos, os números de Portugal ficam bem abaixo: na primeira metade do ano passado, apenas 36% dos pedidos tiveram resposta.