A separação dos ativos do Banif e a venda de parte desse património ao Santander Totta estão envoltas numa cortina difícil de perscrutar. A parca informação disponibilizada pelo Banco de Portugal, a entidade que validou que ativos ficam na esfera do Estado e quais os que transitaram para os espanhóis, gera estranheza nos economistas especializados em banca contactados pelo i. Há até quem aponte para um favorecimento do Santander à custa dos cofres públicos.
Porquê este comprador?
Passadas três semanas desde a intervenção pública no Banif, a operação ainda gera dúvidas a quem acompanha mais de perto a evolução do sistema financeiro. “Há algumas perplexidades”, admite Paulo Pinho, professor da Universidade Nova. A primeira identificada pelo docente é o facto de o Banco de Portugal ter afastado da compra do Banif as propostas de fundos de investimento. Apenas foram aceites as ofertas do Santander Totta e do Banco Popular – este último acabaria por desistir. Optou-se por um modelo em que a venda foi da atividade bancária do Banif e não o banco como um todo, o que implicava que o comprador tivesse de ter licença bancária. Mas essa opção, explica o economista, “reduziu o leque de compradores, diminuiu o encaixe e maximizou as garantias prestadas ao comprador”. Segundo avançou na sexta-feira o “Público”, pelo menos um dos fundos, o norte–americano Apollo, tinha uma proposta mais vantajosa do que os espanhóis do Santander. Segundo as informações recolhidas pelo i, o próprio banco central de Espanha teve um papel decisivo no desfecho da operação, tendo intercedido pelo Santander em contactos informais com o Banco de Portugal.
Porquê este valor?
O grau de envolvimento de fundos públicas na operação, tendo em conta o valor dos ativos do Banif, é outro ponto de incerteza, mesmo à luz da informação que foi tornada pública. “Há imenso por esclarecer no Banif, nomeadamente as diferenças de valorização dos ativos depois da resolução. Está por saber como se chegou a esta valorização”, frisa Nuno Teles, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e membro do grupo Research on Money and Finance.
O Ministério das Finanças indicou que a operação implicaria um esforço orçamental de 2,2 mil milhões de euros, mas há quem faça outras contas. Ricardo Cabral, professor da Universidade da Madeira, fez cálculos com base nas deliberações conhecidas do BdP e as contas do Banif no terceiro trimestre do ano passado. Entre um aumento de capital de 1766 milhões de euros e uma garantia de 746 milhões, o montante injetado no antigo Banif atinge 2512 milhões de euros. Se esta verba fosse injetada diretamente no antigo Banif, o banco ficaria mais do que apto a cumprir os objetivos de capital do BCE, sem venda ao Santander, mesmo que o Banif estivesse a empolar os ativos. Conclusão: “O Santander compra um banco supercapitalizado pagando muito menos do que o valor contabilístico do banco. Por conseguinte, afigura-se que o objetivo primeiro da medida de resolução aplicada ao Banif não foi o saneamento deste banco, mas sim a recapitalização do Santander, recorrendo a injeções de capital público no Banif.”
Porquê esta solução?
O próprio desenho da operação é posto em causa. Paulo Coimbra, economista da ATTAC a concluir um doutoramento sobre o funcionamento do sistema bancário, refere que o modelo da resolução bancária “acaba por responsabilizar acionistas, mas o problema está nas obrigações seniores, a que ninguém parece querer chegar”.
Esta foi uma das “perplexidades” que o docente Paulo Pinho encontrou na solução do Banif: não impor perdas aos obrigacionistas seniores do banco antes da injeção de fundos públicos. “O montante era pequeno, mas simbólico”, argumenta. A interrogação surge porque, uma semana depois da intervenção no Banif, foi desenhada uma solução para a falta de capital do Novo Banco que implicou perdas para estes grandes investidores. Porque não foi seguida no Banif a mesma opção? “Fica no ar a suspeita de que os contribuintes pagaram a dívida sénior do Banif apenas e só para que não houvesse pânico entre os investidores”, diz. Já Nuno Teles sublinha que o próprio modelo de resolução é “atípico” porque se tentou ao máximo evitar as novas regras de resolução em vigor a partir de 2016 – que implicariam um bail-in mais penalizador para grandes depositantes e obrigacionistas.
Porquê este atraso?
A lenta agonia em que se manteve o Banif antes das eleições é outro mistério por desvendar. Depois da injeção de 1,1 mil milhões de euros no banco, em 2013, o Estado português tornou-se seu acionista maioritário. E, por imposição de Bruxelas para viabilizar esse auxílio público, foram desenhadas várias versões de um plano de reestruturação do banco, que nunca foi aprovado. A tutela pertencia ao Ministério das Finanças. A documentação oficial da Comissão Europeia indica que o anterior governo esteve um ano sem fazer qualquer atualização formal ao plano de reestruturação do Banif, antes das eleições legislativas de 2015. O primeiro plano de reestruturação foi apresentado a 2 de abril de 2013 e a última versão é de outubro de 2014. As responsabilidades da administração do banco, do Ministério das Finanças e do BdP têm sido questionadas nas últimas semanas, mas há quem ponha em causa também o papel da Comissão. “A que propósito é que a Direcção-Geral da Concorrência supervisiona uma questão financeira? Nada da lógica de auxílios públicos se aplica à banca”, questiona Paulo Coimbra.