Alfredo Barroso. “Maria de Belém é uma candidata indesejável”

Alfredo Barroso. “Maria de Belém é uma candidata indesejável”


Ex-chefe da Casa Civil do Presidente Soares apoia Marisa Matias, critica Marcelo e Maria de Belém e admite votar em Nóvoa numa segunda volta


Alfredo Barroso, chefe da Casa Civil do Presidente Mário Soares durante os dois mandatos, apoia a candidatura de Marisa Matias por ser “uma mulher frontal e corajosa”. O fundador do PS critica Maria de Belém por ter ligações ao privado, mas votará em Sampaio da Nóvoa se o ex-reitor passar à segunda volta. A experiência diz-lhe que o país precisa de um Presidente que ajude o governo a cumprir o mandato até ao fim.

Apoia Marisa Matias. O que o leva a apoiar esta candidatura?

É a candidata que tem o melhor currículo. É uma extraordinária eurodeputada; abrange vários setores, desde a economia à saúde, passando pelas políticas de apoio aos refugiados. É uma mulher inteligente, frontal e corajosa. Defende políticas que eu também defendo. Defende que é necessário fazer a renegociação da dívida e que é necessário contestar o Tratado Orçamental.

Não se revê nas outras candidaturas de esquerda, nomeadamente Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa.

Eu não considero que a candidatura de Maria de Belém seja de esquerda. Acho que é uma candidatura de direita. Não é da direita, é de direita. É uma mulher muito conservadora, tem muito pouco de socialista e é uma candidata de fação. É uma evidência, para mim, que Maria de Belém se candidatou para se vingar da queda do António José Seguro e da queda dela própria, que era presidente do partido. As pessoas que a lançaram são pessoas que nada têm a ver com o PS nem com a esquerda. E é uma candidata que tem ligações a instituições privadas, nomeadamente na área da saúde, que a tornam uma candidata indesejável.

E Sampaio da Nóvoa?

Não me quero pronunciar. Se houver uma segunda volta e ele passar, evidentemente que voto nele mas, para já, só estou a pensar no apoio a Marisa Matias.

Acredita que pode haver segunda volta, apesar de Marcelo Rebelo de Sousa aparecer nas sondagens bem posicionado para ganhar à primeira?

Infelizmente, apesar de estar a fazer uma má campanha e de estar a ser vítima de si próprio. Os franceses têm um ditado muito interessante que se aplica como uma luva ao prof. Marcelo Rebelo de Sousa: “Chassez le naturel, il revient au galop.” Numa tradução muito livre e aplicada ao Marcelo, eu diria que ele atira o passado pela porta fora, mas esse passado regressa pela janela. Mas, apesar de tudo, há alguma complacência em relação aos seus defeitos, que são muitos e até perigosos. Seria muito mau para a esquerda que ele ganhasse à primeira volta. Seria a terceira vez que a esquerda falha completamente uma candidatura à Presidência.

E seria perigoso para o país ter na Presidência uma personalidade como Marcelo Rebelo de Sousa?

Acho que sim. Provavelmente, isso não se notará no princípio, mas acabará por se notar a médio prazo. É uma pessoa volúvel. É uma pessoa que, quando confrontada com dificuldades, foge. Veja-se o caso do conflito que deu cabo da segunda tentativa da AD entre ele e o Paulo Portas. Aquilo acabou e ele foi-se embora. Não resistiu. Esta ideia de fugir é uma coisa extraordinária que envolve o Marcelo e os seus amigos. O Guterres também fugiu e o Durão Barroso também se pôs na alheta. Eu, sinceramente, não confio no Marcelo Rebelo de Sousa.

De que tipo de Presidente da República precisa Portugal, tendo em conta a situação que estamos a atravessar?

Precisa de um Presidente completamente diferente deste, um Presidente da República firme nas suas convicções, prudente e que saiba utilizar a palavra, que é a principal arma de um chefe de Estado, para sensibilizar o país para as questões que é preciso resolver. Deve ter a consciência de que é preciso recuperar o Serviço Nacional de Saúde, recuperar a escola pública e proteger a Segurança Social. Um Presidente que seja mesmo independente e não se deixe colar ao governo nem se deixe colar a nenhum partido, mesmo que esse Presidente seja oriundo de um partido político. Estou a pensar nos dois Presidentes oriundos do PS, em Mário Soares e Jorge Sampaio, que ninguém contesta que fizeram ótimos mandatos. É de Presidentes dessa natureza que o país precisa, sobretudo com o perfil de Mário Soares.

Os candidatos deviam inspirar-se em Soares?

Eu sou suspeito porque fui chefe da Casa Civil dele mas, quando ele chegou à Presidência, o país estava fortemente dividido entre esquerda e direita. A tal ponto que, depois de ele ganhar, a direita apareceu com um autocolante que dizia “Este não é o meu Presidente” e tudo isso se desfez ao fim de seis meses, graças à argúcia e competência do dr. Soares.

Soares distinguiu-se dos outros Presidentes a seguir ao 25 de Abril?

Acho que sim, sobretudo no primeiro mandato. No segundo mandato, o primeiro-ministro começou a pressioná-lo muito, a acusá-lo de ser uma força de bloqueio, e foi esse primeiro–ministro que foi empurrando o Presidente mais para a esquerda. Cavaco, no início, até apoiou as Presidências abertas que o Presidente Mário Soares fazia, mas começou a ficar incomodado quando começaram a ser questionadas as políticas que estavam a ser praticadas pelo governo e houve um conflito. Foi esse conflito que levou a que o Presidente se orientasse mais para o lado esquerdo do que para o lado direito.

O próximo Presidente tem de ajudar o governo a cumprir a legislatura?

Acho que sim. Acho que é mesmo um dos papéis essenciais do Presidente cooperar com o governo com lealdade e sem preconceitos ideológicos. Deve criar condições para a estabilidade e continuidade deste governo. Todos os candidatos dizem que vão fazer isso.

Até o Marcelo diz que vai ajudar este governo.

Sim, todos eles dizem isso. É uma evidência que o governo está vulnerável nestas circunstâncias, mas este é um novo ciclo político e é preciso que haja uma conjugação de esforços para permitir que este governo continue.

A certa altura rompeu com António Costa…

Eu não rompi propriamente com o António Costa. Ele deu-me o pretexto para sair do partido, mas eu rompi com o Partido Socialista há muito tempo. Eu era um crítico do António José Seguro e também fui crítico do Sócrates. Comecei a desligar-me do PS, do ponto de vista político e ideológico, desde o António Guterres. Desde o blairismo à portuguesa. Ele foi um discípulo do Blair, o que prejudicou muito o PS. Eu já devia ter saído há mais tempo do partido, mas como sou fundador tive um certo constrangimento.

Acabou por sair.

Não era correto continuar no partido e criticar sistematicamente a direção. Não era correto e resolvi tornar-me independente.