O banco do Natal passado


A vida política portuguesa  parece, por estes dias, uma estranha mistura do “Christmas Carol” de Dickens com o “Groundhog Day”


A quadra que vivemos privilegiou os contos de Natal e as comédias ligeiras capazes de sentar no cinema várias gerações da mesma família. A vida política portuguesa associou-se à quadra e parece, por estes dias, uma estranha mistura do “Christmas Carol” de Dickens com o “Groundhog Day” (um filme de Harold Hamis com Bill Murray e Andie MacDowell, cujo título foi traduzido a martelo em Portugal por “O Feitiço do Tempo”, no qual o protagonista acorda a cada manhã para voltar a viver, minuto por minuto, o dia anterior). Quer a narrativa do conto de Dickens quer a do filme de Hamis (coautor do argumento) assentam no decurso do tempo e na perceção do mesmo por parte dos protagonistas (respetivamente, Scrooge e Phil Connors, este interpretado por Murray). Em Portugal, Scrooge passa a vida, como Bill Murray, a acordar para viver o sonho do Natal passado; não há possibilidade de decurso do tempo em direção ao Natal presente e a antevisão do Natal futuro. Logo, não há possibilidade de arrependimento, de qualquer remissão e da consequente modificação da narrativa do Natal passado, que se confunde com a narrativa do Natal presente e com a do Natal futuro. Em Portugal, o primeiro Fukuyama ainda tem razão: assistimos ao fim da história.

Dizer que Carlos Costa é um Scrooge moderno não é correto, na medida em que a avareza que normalmente associamos aos banqueiros não se comunica ao regulador, que se tem revelado um mãos-largas na distribuição de dinheiro dos contribuintes portugueses pelos vários bancos que, a cada Natal, surgem disfarçados de fantasmas do risco sistémico para o sistema bancário português. O governador do Banco de Portugal também não se confunde com o velho Scrooge na medida em que, sendo o fantasma que nos acena sempre o mesmo (a bancarrota de um banco mal gerido e pior fiscalizado), Scrooge permanece igual a si próprio, aguardando pacientemente pelo próximo fantasma, sempre igual ao do Natal passado.

Finda a quadra festiva, valerá a pena lembrar que o episódio Banif atestou a completa ausência de capacidade negocial da República Portuguesa junto da atual Comissão Europeia, em particular junto da Direção-Geral da Concorrência. Em matéria de influência e capacidade negocial, Portugal viveu muitos anos acima das suas possibilidades, primeiro graças a António Vitorino e depois, num grau menor e menos orientado para resultados úteis, Durão Barroso. Os dois anteriores governos conseguiram, por inépcia e conveniência política, que no caso Banif a Comissão Europeia ditasse para a ata as condições da resolução. E quer a dimensão do haircut quer a exclusão de entidades não bancárias do universo dos compradores tornaram o processo mais gravoso do que seria necessário. O exagero do haircut custará ainda mais aos contribuintes portugueses. O afastamento de entidades não bancárias (as que não tinham serviços centrais ou agências em Portugal) atirará para o desemprego um número maior de funcionários do Banif, tornados redundantes quer nos serviços centrais e de back office, quer nas agências que o Santander já possui em Portugal.

O conto de Natal de Dickens serve, com humor, lições de moral assentes na tomada de consciência do erro e na possibilidade de alterar o curso dos eventos. O “Groundhog Day” também distribui generosas colheradas de moralismo e daquilo que se tornou conhecido como self-help. Já em Portugal, haverá maneira de não continuarmos sentados no banco do Natal passado?

Escreve à sexta-feira

 

 

 


O banco do Natal passado


A vida política portuguesa  parece, por estes dias, uma estranha mistura do “Christmas Carol” de Dickens com o “Groundhog Day”


A quadra que vivemos privilegiou os contos de Natal e as comédias ligeiras capazes de sentar no cinema várias gerações da mesma família. A vida política portuguesa associou-se à quadra e parece, por estes dias, uma estranha mistura do “Christmas Carol” de Dickens com o “Groundhog Day” (um filme de Harold Hamis com Bill Murray e Andie MacDowell, cujo título foi traduzido a martelo em Portugal por “O Feitiço do Tempo”, no qual o protagonista acorda a cada manhã para voltar a viver, minuto por minuto, o dia anterior). Quer a narrativa do conto de Dickens quer a do filme de Hamis (coautor do argumento) assentam no decurso do tempo e na perceção do mesmo por parte dos protagonistas (respetivamente, Scrooge e Phil Connors, este interpretado por Murray). Em Portugal, Scrooge passa a vida, como Bill Murray, a acordar para viver o sonho do Natal passado; não há possibilidade de decurso do tempo em direção ao Natal presente e a antevisão do Natal futuro. Logo, não há possibilidade de arrependimento, de qualquer remissão e da consequente modificação da narrativa do Natal passado, que se confunde com a narrativa do Natal presente e com a do Natal futuro. Em Portugal, o primeiro Fukuyama ainda tem razão: assistimos ao fim da história.

Dizer que Carlos Costa é um Scrooge moderno não é correto, na medida em que a avareza que normalmente associamos aos banqueiros não se comunica ao regulador, que se tem revelado um mãos-largas na distribuição de dinheiro dos contribuintes portugueses pelos vários bancos que, a cada Natal, surgem disfarçados de fantasmas do risco sistémico para o sistema bancário português. O governador do Banco de Portugal também não se confunde com o velho Scrooge na medida em que, sendo o fantasma que nos acena sempre o mesmo (a bancarrota de um banco mal gerido e pior fiscalizado), Scrooge permanece igual a si próprio, aguardando pacientemente pelo próximo fantasma, sempre igual ao do Natal passado.

Finda a quadra festiva, valerá a pena lembrar que o episódio Banif atestou a completa ausência de capacidade negocial da República Portuguesa junto da atual Comissão Europeia, em particular junto da Direção-Geral da Concorrência. Em matéria de influência e capacidade negocial, Portugal viveu muitos anos acima das suas possibilidades, primeiro graças a António Vitorino e depois, num grau menor e menos orientado para resultados úteis, Durão Barroso. Os dois anteriores governos conseguiram, por inépcia e conveniência política, que no caso Banif a Comissão Europeia ditasse para a ata as condições da resolução. E quer a dimensão do haircut quer a exclusão de entidades não bancárias do universo dos compradores tornaram o processo mais gravoso do que seria necessário. O exagero do haircut custará ainda mais aos contribuintes portugueses. O afastamento de entidades não bancárias (as que não tinham serviços centrais ou agências em Portugal) atirará para o desemprego um número maior de funcionários do Banif, tornados redundantes quer nos serviços centrais e de back office, quer nas agências que o Santander já possui em Portugal.

O conto de Natal de Dickens serve, com humor, lições de moral assentes na tomada de consciência do erro e na possibilidade de alterar o curso dos eventos. O “Groundhog Day” também distribui generosas colheradas de moralismo e daquilo que se tornou conhecido como self-help. Já em Portugal, haverá maneira de não continuarmos sentados no banco do Natal passado?

Escreve à sexta-feira