A China está a provocar uma onda de pânico nos mercados internacionais. O receio da desaceleração económica do gigante asiático levou ontem a quedas nas principais bolsas mundiais e há quem tema um cenário idêntico ao de 2008, quando uma crise bancária nos Estados Unidos afetou todo o mundo. As repercussões internacionais da situação em Pequim são ainda difíceis de quantificar, mas é quase certo que haverá impactos em economias como a portuguesa. As previsões de crescimento do governo estão postas em causa.
Ontem, a bolsa chinesa funcionou apenas 30 minutos. As ações da praça de Xangai estavam a cair 7% e a negociação foi suspensa devido a um mecanismo automático que interrompe a os negócios quando as perdas atingem aquele patamar. O regulador do mercado chinês decidiu entretanto cancelar essa instrumento a partir de hoje, por não ter tido o efeito desejado, mas as ondas de choque não demoraram a alastrar.
Quedas generalizadas
As principais bolsas europeias terminaram a sessão em queda, com destaque para a da Alemanha – precisamente o país europeu que mais tem a perder com a crise chinesa, por via das exportações automóveis para aquele mercado. As ações da Daimler e da BMW tiveram o pior desempenho. Os preços de matérias-primas também estiveram em queda à escala global (ler ao lado), tal como as ações de empresas petrolíferas. Nos Estados unidos, está a ser o pior início de ano das bolsas desde 2000.
O investidor multimilionário George Soros admitiu, citado pela Bloomberg, que a China tem um “problema de ajustamento” e que o momento atual dos mercados lhe “recorda a crise que vivemos em 2008”.
Mais do que o caso isolado da China, os investidores temem efeitos à escala global. Depois de décadas de crescimento pujante, a desaceleração da China e de outros mercados emergentes compromete o andamento de toda a economia global.
Num relatório publicado ontem, o Banco Mundial não esconde esse receio. “A economia mundial terá de adaptar-se a um novo período de crescimento mais modesto nos maiores mercados emergentes, devido aos baixos preços das matérias-primas e aos menos fluxos de capital e comércio”, alerta a organização, que aponta para um crescimento mundial de 2,9% este ano, menos 0,4 pontos percentuais do que as projeções anteriores.
Para uma pequena economia aberta como a portuguesa, a turbulência financeira e os riscos de estagnação na Europa trazem riscos. O governo está a preparar o Orçamento do Estado para 2016 com base num crescimento do PIB de 2,1% – já abaixo das previsões iniciais de Mário Centeno, quando fez o estudo macroeconómico que sustentou as medidas do programa do PS.
Cautela
Mas mesmo um andamento de 2,1% é posto em causa pelos economistas contactados pelo i, à luz da atual turbulência financeira mundial. “Ainda que o aumento que se perspetiva do rendimento disponível das famílias possa sugerir um bom desempenho da procura interna em 2016, o cenário de crescimento de 2,1% parece ser otimista no atual contexto, em que os riscos se apresentam crescentemente negativos”, diz ao i a economista chefe do BPI, Paula Gonçalves Carvalho.
A previsão do departamento de estudos económicos do BPI é de 1,8%. Paula Gonçalves Carvalho admite que a turbulência financeira suscitada pela China e os riscos de estagnação económica na Europa são os principais riscos económicos do país. “Se a procura externa desaponta, desaparece o principal driver do crescimento saudável da economia portuguesa. A prazo, poderemos regressar a uma situação de desequilíbrio externo, o que seria penoso num contexto em que ainda persistem desequilíbrios importantes na economia portuguesa”, sustenta. A economista teme ainda que a turbulência financeira faça regressar a aversão dos investidores a ativos financeiros portugueses, o que poderia conduzir a dificuldades de financiamento do Estado e das maiores empresas.
Mário Centeno terá assim um exercício complicado pela frente, na elaboração do Orçamento do Estado para 2’16, que deverá ser apresentado até ao final do mês. Com uma economia em abrandamento há menos receitas fiscais, pelo que se torna mais difícil acomodar medidas do lado da despesa.
Para Rui Bernardes Serra, economista chefe do Montepio, a situação atual nos mercados financeiros devia levar a previsões mais cautelosas por parte do executivo. “Não se deveria assumir no OE2016 um crescimento superior a 2%, um cenário que, mesmo assim, está rodeado de riscos descendentes. Só o conhecimento em detalhe das medidas de política económica que farão parte do OE2016 nos permitirão avaliar com maior rigor”, adianta ao i.
Para este economista, a China tem dois efeitos. Um é a turbulência nos mercados financeiros poder conduzir a “condições financeiras mais restritivas”, com impactos na atividade económica. O outro afetar as exportações de forma indireta, por via da economia europeia.