Numa quarta-feira de 2009, Joana passou o fim de tarde às compras num centro de comercial de Viseu com o namorado. O plano seguinte da jovem de 20 anos era um jantar a dois para melhorar o ambiente entre o casal, que tinha passado os últimos dias a discutir.
Se chegaram a fazer as pazes – ainda que momentaneamente -, ninguém sabe e nem mesmo a sms que a mãe de Joana recebeu a informar que a filha não ia jantar chega como prova. Isto porque nessa quarta-feira de 2009, já de madrugada, Joana Fulgêncio foi encontrada morta, com um saco de plástico na cabeça, no interior de um carro lançado para a barragem de Fagilde.
O enredo é tão rico que parece ficção e há agora quem diga que terá passado para o grande ecrã. O décimo e mais recente filme de António-Pedro Vasconcelos conta a história de Cristina, uma jovem universitária que é raptada quando estava com o namorado, Tiago, também estudante, aparecendo depois morta.
Apesar de o realizador garantir que se trata de “ficção baseada em factos reais”, para a mãe da jovem de Viseu que morreu há seis anos, Cristina é Joana e Tiago é David, o namorado que acabou por confessar o crime e cumpre atualmente uma pena de 18 anos de prisão. Na história que fez manchetes de jornais durante vários dias, David negou a autoria do crime o máximo que conseguiu até ao dia em que explicou o que realmente aconteceu: “Ela dizia que não queria saber de mim, que o plano de termos filhos juntos já não lhe interessava. Virou-me as costas e cruzou os braços como se tivesse razão. Explodi de ciúme e dei-lhe com a marreta na cabeça.”
Inspiração “Todas as ficções são baseadas mais ou menos em factos reais”, começa por explicar António-Pedro Vasconcelos. O realizador não nega que a história de Joana tenha servido de inspiração para o “Amor Impossível”, mas é só. “Já vi fotografias da Joana e é fácil perceber que a atriz escolhida [Victoria Guerra] não é nada parecida”, justifica ao i. Já a escolha de Viseu para a rodagem do filme não passa, segundo António-Pedro, de uma coincidência. “Precisávamos que as gravações fossem feitas numa cidade do interior, com polo universitário. Guarda, Évora, Aveiro e Castelo Branco, por exemplo, estiveram em cima da mesa, mas foi Viseu que reuniu as melhores condições e nos deu o maior apoio”, acrescenta.
Paula Fulgêncio, mãe de Joana, tem dúvidas sobre as boas intenções da equipa de realização. No Facebook dirige-se diretamente à equipa de António–Pedro Vasconcelos: “Como se sentem ao saber que estão a promover algo que provocou e ainda hoje provoca tanto sofrimento?” Tem sido prática frequente de Paula usar as redes sociais para demonstrar a sua indignação.
Contactada pelo i, acusa o realizador de querer “ganhar dinheiro à custa da tragédia” que envolve a sua família, mas recusou-se a prestar mais declarações. Ainda através do Facebook, garante que deu a entender ao realizador que não estava preparada para rever a tragédia. “Expliquei-lhe que não aceito que a minha filha seja vista como uma mártir”, pode ler-se na publicação, que já foi partilhada mais de 400 vezes. Ao i, António-Pedro Vasconcelos confirma ter enviado um email a Paula a explicar que não tinha intenção de retratar os verdadeiros protagonistas, mas que gostaria de falar com ela sobre a história de Joana. “Não se mostrou interessada e acabei por me inspirar naquilo que os jornais contavam sobre a tragédia”, refere. O cineasta explica que tem como prática comum inspirar-se em histórias reais. “Para os ‘Os gatos não Têm Vertigens’, por exemplo, inspirei-me em imensas histórias contadas por miúdos que viviam na mesma situação que o protagonista”, acrescenta.
Apesar de Paula garantir que o caso está em tribunal e “vai dar pano para mangas”, o realizador garante que não recebeu ainda nenhuma notificação judicial.
Desfecho Acusado de “homicídio qualificado”, David Saldanha foi condenado a 18 anos de prisão pela morte da namorada. Antes disso tentou simular um carjacking, dirigindo-se a um bar a pedir socorro já passava das duas da manhã. Vinha descalço, tinha algumas escoriações e queixava-se de ter sido obrigado a ingerir uma bebida estranha. O que David não esperava quando arquitetou este álibi era que o bar tivesse câmaras de vigilância, que o apanharam a caminhar normalmente e só depois a correr e a atirar-se para o chão quando chegou à porta.
A Polícia Judiciária considerou que o crime teve “requintes de grande violência e alguma premeditação” e os investigadores concluíram que na origem do crime “estiveram motivos passionais”.
David acabou por confessar o crime. Paula afastou-se de Viseu e vive atualmente na Suíça. No Facebook apela à partilha da sua mensagem e pede “acima de tudo” que não assistam ao filme. Mas só na primeira semana de exibição, “Amor Impossível” passou a sétimo filme mais visto nos 52 ecrãs em que está em exibição.