O assassinado na Damaia era o contínuo favorito do Colégio Moderno

O assassinado na Damaia era o contínuo favorito do Colégio Moderno


José Paixão, ex-polícia e vigilante do Colégio Moderno. Dava toques na bola, era doce e bem-disposto. Morreu assassinado, ao tentar impedir o assalto a um minimercado na Amadora


José Ramos Paixão, 65 anos, foi, até se reformar há treze anos, agente da PSP em Lisboa. Da sua antiga profissão guardou (provavelmente) o hábito de se fazer acompanhar por uma pistola. No entanto, foi a função que exerceu desde a reforma que o deixaria ‘famoso’ entre os que com ele privaram: a de vigilante no Colégio Moderno. Vamos por partes: o que traz efetivamente José Ramos Paixão a estas páginas foi a forma trágica como partiu. Envolve a sua pistola, uma arma de canos serrados e uma reação espontânea perante um assalto que culminou na sua morte. Mas, além do momento da sua morte, há uma vida que cabe nestas colunas: e as recordações que os alunos do Colégio Moderno relataram ao i traçam o retrato de um homem doce, prestável e acarinhado por todos.

Um tiro fatal

A história resume-se assim: no dia 31 de dezembro, José Ramos Paixão esperava à porta do minimercado Meu Super na Amadora pela sua mulher, Alzira Santos, que trabalha como caixa neste espaço comercial. Faltavam cinco horas para entramos em 2016 quando dois assaltantes encapuzados entram no espaço, pouco antes de fechar:

José percebe que a loja está a ser assaltada, entra em cena e dispara – com a tal arma que trazia sempre consigo – um tiro para o teto. Um dos ladrões usa uma caçadeira de canos serrados e atira sobre o antigo polícia. O tiro é certeiro: atinge José na cara. De seguida, pegam na caixa registadora e abandonam o local. Faltavam as tais cinco horas para 2016: o vigilante ainda lhes sobrevive. Morreu na madrugada de 1 de janeiro. O crime ficou gravado nas câmaras de vigilância e está agora a ser investigado pela Polícia Judiciária.

O funcionário do ano

Manuel Cardoso, 21 anos, foi aluno do Colégio Moderno durante 16 anos, dos dois aos 18 anos. “Acho que devo ter estado no Colégio todo o tempo que o senhor Paixão, como o tratávamos, lá trabalhou. E o que posso dizer é que era o contínuo favorito de todos”. Muito acarinhado, ganhou o prémio de funcionário do ano, votado pelos alunos.”Estava sempre pronto para dar toques na bola, gostava de falar de futebol e estava sempre divertido”, lembra Manuel. “Todos sabíamos que podíamos confiar nele, além de ser brincalhão conseguia fazer um trabalho de vigilante, mas com muita proximidade de todos”.

Segundo este antigo aluno, “todos os alunos sabiam que o senhor Paixão tinha sido polícia”, mas não porque isso transparecesse no seu comportamento. “Não era nada autoritário, era sobretudo doce e complacente com os alunos. Quando víamos o senhor Paixão chateado era porque realmente tinha acontecido algo grave”.

Por ser tão acessível e próximo dos alunos, era também alvo de brincadeiras. “Era ele o responsável pelo balneário dos rapazes, e cantávamos-lhe muitas vezes a música Paixão, dos Heróis do Mar, mas era uma brincadeira em jeito de homenagem. Quando soube da morte dele, ouvi essa música na rádio e emocionei-me porque era a música que simbolizava a relação de confiança e de complacência. Era um contínuo diferente e muito mais próximo do que os outros”, diz Manuel.

 Sobre a decisão que o antigo polícia tomou de ter disparado, Manuel tece uma suposição: “Num colégio privado os contínuos continuam a ser seguranças, ele viveu uma vida de alerta e de reação. Pode ter sobrestimado a capacidade daquilo correr bem, porque pelo que nós pensamos dele ele era o good cop”.

Para este ex-aluno, este ano o Colégio Moderno perdeu duas figuras importantes por motivos diferentes: “Não se comparam perdas nem mortes, mas este ano o colégio perdeu duas pessoas importantes. A doutora Maria Barroso em julho, e agora o senhor Paixão. Enquanto Maria Barroso era uma figura de autoridade, o senhor Paixão era muito próximo dos alunos e morreu de uma forma violenta, por isso acho que esta morte chocou muito as pessoas”, conclui.

Uma pessoa fantástica

A diretora do Colégio Moderno, Isabel Soares, reitera a opinião dos alunos. “Era um homem muito afável e com um excelente trato, os miúdos gostavam, efetivamente, muito dele”. A diretora conta que, quando José se reformou da polícia, foi trabalhar para o colégio, “fariam agora catorze anos”.

No dia 28 de dezembro, os funcionários do Colégio Moderno reuniram-se no habitual almoço de convívio de Natal. “O senhor Paixão estava animadíssimo, como sempre”. A boa disposição era, aliás, uma característa que todos lhe reconheciam. “Era um homem muito popular na escola, de colegas a alunos todos gostavam dele”, reconhece Isabel Soares.“Os alunos estão constragidos, o senhor Paixão era realmente uma pessoa fantástica”.

Para além do desfecho violento, também a forma como os alunos souberam a notícia os terá abalado. “Os alunos estão tristes e a notícia também foi dada de uma forma trágica, eles souberam o que tinha acontecido de uma forma muito célere pelas redes sociais”.

O colégio prestará homenagem ao contínuo. “Agora vamos deixar o espaço à família, que está a passar um sofrimento horrível. Quando fizer um mês da sua morte, vamos organizar uma missa na Igreja do Campo Grande, como fazemos sempre por todos os nossos funcionários”, diz a diretora. O funeral realiza-se hoje às 15h00, no cemitério de Benfica.