Quando toda a gente sabe e ninguém faz nada é porque o gato anda por aí. E este gato é tipo que gosta muito de ir a concertos. Noutras palavras: que loucura é esta que faz alguém pagar o dobro ou o triplo por um bilhete para um concerto já esgotado? Bom, na verdade, a história não é nova. A candonga é intemporal, o mercado negro sempre existiu e o seu fim não parece estar previsto. O_que já começa a ser demais para alguns promotores de espetáculos é que isto seja feito nas barbas do povo, à boleia de plataformas conceituadas que tornam este género de transação a coisa mais banal do mundo: “A Adele vem a Portugal, vou já comprar dez bilhetes e ficar rico.” A ideia nem é má, mas quem o faz está a incorrer num crime de especulação, ou seja, só pode revender o seu ingresso desde que o faça pelo mesmo preço. Basta 1€ acima da tabela de preços definida pelo promotor do evento em questão para a pintura ficar borrada. Pensemos em 2016 e no número de concertos que prometem esgotar salas e mais salas: Adele, Justin Bieber, AC/DC, Maroon 5, The Cure, Iron Maiden, entre outros. Se não é agora que o gato perde as botas, quando será?
O maior rosto da indignação tem sido Álvaro Covões, fundador da Everything Is New – responsável pelo festival NOS Alive, bem como pela maior parte dos concertos de grande dimensão já previstos para 2016. “Andamos há dois meses a chamar a atenção para isto, a denunciar as situações de mercado secundário que constituem crime de especulação económica, e o crime continua”, afirma, antes de prosseguir: “Com isto não digo que não fizeram nada, até porque, por exemplo, o site OLX já não aceita anúncios de alguém que coloque à venda bilhetes a preços elevados. Mas permite que ponham a dizer ‘Troco’. Depois, as pessoas oferecem o dobro, ou 85€ por um bilhete de 50€, ou apenas ‘Por quanto é que vende o seu bilhete?’.”
Para que se esclareça o que aqui se faz falámos com Daniel Reis, um especialista em direito digital. “Isto é comércio eletrónico e o OLX, por exemplo, funciona como intermediário. O que diz a lei é que este não é responsável porque não existe obrigação de verificar o que está a ser vendido. A única exceção é se esse intermediário for notificado de que existe um conteúdo ilegal… Aí, tem de o remover. Se não remover, será responsável”, explica o advogado. Na prática, isto significa que vender um bilhete no OLX (atenção, não é caso único: pense-se na CustoJusto ou na Seatwish) ou à porta de um estádio de futebol por um preço superior é a mesma coisa: crime de especulação.
Desconhecimento geral Para Álvaro Covões, “parece que há dois mundos”: um onde todos sabemos do que estamos a falar, outro onde ninguém toma a iniciativa de responsabilizar os culpados. “Há aqui uma questão importante: os consumidores não têm noção. Perante um site com tanto reconhecimento público… se posso comprar um carro e vendê-lo lá pelo preço que quiser, porque não fazê-lo com um bilhete para um espetáculo? As pessoas não sabem. E estas plataformas estão a dar credibilidade legal a um crime”, diz.
O empresário é claro ao dizer que este género de sites vivem “das receitas de publicidade”, pelo que o essencial para os mesmos é obterem “cliques e terem tráfego”. E continua: “Se não fosse permitida a especulação de bilhetes, quantos milhares de pessoas deixariam de visitar estes sites?”
Bilhete nominativo? À imagem de outros eventos, uma das soluções seria criar bilhetes nominativos – com o nome do respetivo comprador, coisa que impediria a revenda ou, pelo menos, a atenuava, já que alguém que tivesse comprado o bilhete em segunda mão não iria, provavelmente, conseguir entrar. Álvaro Covões não vai nessa conversa: “Vivemos num mundo livre, caramba, isso é um disparate total. A liberdade de comprares um bilhete e ofereceres a quem quiseres é um direito. Nem sequer me resolvia o problema porque ia afastar clientes e dava-nos uma sobrecarga administrativa que não faz sentido.”
Estranho – ou talvez nem tanto – é o facto de Álvaro Covões ser dos poucos empresários a fazerem barulho – coisa que nem sequer é de agora. “Trabalhamos com a ASAE desde 2007. Desde que a Madonna foi ao Parque da Bela Vista – até há aquela célebre história do procurador do Ministério Público que foi apanhado a fazer crime de especulação –, desde essa altura que alertamos as autoridades para estas situações. Ainda hoje mandámos um email a dizer: ‘Atenção que estão a acabar os bilhetes para os AC/DC.’ Nós fazemos o nosso papel. Infelizmente, vivo num país onde as pessoas têm medo de falar. O 25 de Abril não foi feito para isto?”, remata.