Ainda hoje, 40 anos volvidos desde o final do conflito que mais traumatizou a América, basta passear por Venice Beach, em Los Angeles, para encontrar uma espécie de cruzamento entre os filhos (e netos?) do Summer of Love de 67 e aqueles sobreviveram à guerra do Vietname, mas não à toxicodependência. E o passado volta sempre para nos assombrar: os EUA entram no novo ano perante o que já não é possível negar ser uma nova epidemia de heroína.
Desde o ano de 2000, as mortes por overdose quadruplicaram nos EUA. Morrem mais pessoas por consumo excessivo de drogas, do que em acidentes de carro. Segundo o Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças, em 2014 morreram nos EUA mais pessoas de overdose do que em qualquer outro ano: 47.055. Destes, cerca de 60% morreram por overdose de opiáceos, que incluem medicamentos que podem ser adquiridos com receita e heroína.
A grande diferença, no entanto, é que a heroína já não é a droga dos traumatizados pela guerra e dos moradores dos subúrbios degradados, mas de zonas residenciais ocupadas maioritariamente por brancos. E claro, a partir do momento em que assim é, a classe política não pode continuar a fechar os olhos. De tal forma que se tornou um assunto na corrida às presidenciais deste ano. “Esta crise tira vidas. Destrói famílias. Destroça comunidades em todo o país”, disse, em outubro, o ainda presidente Barack Obama. Já a também democrata Hillary Clinton sublinhou que esteve em estados, como New Hampshire, onde o único tema que as pessoas quiseram discutir foi o consumo de heroína. No mesmo estado, Donald Trump, disse: “Temos de controlar essa coisa da heroína”. Já Jeb Bush viveu este problema de perto: em 2002, uma das suas filhas foi presa por comprar medicamentos com receita falsificada e esconder droga.
Os novos consumidores
O consumidor de hoje mudou. O seu perfil já não é o do junkie violento, afro-americano, agarrado a uma seringa. Estudos indicam que cerca de 90% dos consumidores da atualidade são caucasianos, vivem em cidades pequenas ou bairros residenciais de classe média nos arredores das grandes cidades. Mais, o aumento da adição coincidiu com uma queda nos índices de criminalidade. Ou seja, estes novos viciados não precisam de prisão e punição, mas antes de ajuda. São doentes. Por isto mesmo, os especialistas indicam que é preciso enfrentar esta nova realidade e deixar de tratar o consumo de heroína de forma estigmatizada. “São nossos filhos, nossos vizinhos, nossos irmãos, nossas irmãs”, disse Meghan Westwood, diretora executiva do Centro de Tratamento de Avery Road, Washington, ao “El País”.
Muitos terão começado a consumir opiáceos com receita médica, ou analgésicos legais, substâncias que atuam no cérebro de forma muito semelhante à heroína, droga sobre a qual se diz que simula uma sensação orgásmica. Nos EUA, a prescrição destes medicamentos tem vindo a aumentar: em 2012, foram passados 259 milhões de receitas, uma média de quase uma por habitante do país.Com o tempo, a heroína acabou por se revelar uma alternativa mais económica.
O jornal “Drug and Alcohol Dependence” publicou esta semana um estudo baseado em inquéritos feitos entre 2009 e 2013, através da Monitoring The Future, que estuda 68 mil jovens estudantes em 130 escolas dos EUA. Os resultados indicam 1,2% desta amostra consome heroína. Destes, três-quartos começaram por consumir abusivamente analgésicos. “Quanto mais vezes um jovem toma comprimidos para as dores, maior é o risco que se torne dependente. E os dependentes muito frequentemente trocam os comprimidos pela heroína porque é mais barata e fácil de arranjar”, explica, no estudo, Joseph Palamar, investigador na universidade de Nova Iorque.
Há um mês tinha sido dado a conhecer um outro estudo, desta feita da universidade de Princeton – e da autoria do Nobel da Economia Angus Deaton e Anne Case – segundo o qual a mortalidade dos norte-americanos brancos de meia-idade disparou nas duas últimas décadas, e que a maioria das mortes se deve ao suicídio, cirrose e envenenamento por álcool e consumo de drogas. Uma epidemia, até agora silenciosa, mas que já matou quase meio milhão de pessoas. O mesmo estudo afirma que as mortes por overdose começaram a diminuir entre afro-americanos e hispânicos, e, desde 1999, aumentaram entre brancos. Em 2006, pela primeira vez, as mortes por causas relacionadas com o consumo de drogas e álcool entre brancos superaram as de negros e hispânicos.