É verdade hoje, como foi verdade ontem e será, com certeza, verdade amanhã. A senhora Angela Merkel, líder da CDU há 15 anos e chanceler alemã desde 2005, é a pessoa que atende o telefone da Europa sempre que o mundo é abalado por alguma crise. Seja na Ucrânia, na Síria ou dentro das largas portas da União Europeia, os líderes mundiais, de Washington a Moscovo, passando por Londres e Pequim, sabem que nada se faz na Europa a 28 sem a ingtervenção de Angela Merkel. A senhora que nasceu na antiga Alemanha de Leste é hoje em dia odiada por muitos que não lhe perdoam o comando firme não só da Alemanha como da União Europeia e em particular da zona euro. A partir de 2010, na sequência da enorme crise financeira e económica que abalou os alicerces do capitalismo e da economia de mercado, Merkel deu um enorme murro na mesa de uma União Europeia e de uma zona euro que viviam na ilusão de uma riqueza que de facto não existia, fecharam os olhos aos efeitos da globalização e acordaram de repente com o pesadelo de economias atrasadas, estagnadas ou mesmo em recessão.
O murro foi violento e as consequências da aterragem violenta na realidade foram terríveis para muitos países e muitos europeus. A chamada austeridade, tão odiada pelos que fecharam os olhos ao novo mundo e querem continuar a viver acima das suas possibilidades, foi imposta por Merkel e veio para ficar numa União Europeia inundada de dívidas e desempregados. Merkel foi a voz da razão numa multidão irresponsável que sonhava todos os dias com as rotativas do Banco Central Europeu. As pretensas vozes grossas europeias esbarraram e continuam a esbarrar numa senhora que quer pôr a União Europeia e a zona euro na ordem. Uma senhora que aposta no euro e luta dentro e fora da Alemanha contra as posições de extrema-esquerda e extrema-direita que fazem o que podem e não podem para destruir a moeda única. Tsipras na Grécia ou Marine Le Pen em França estão juntos no objectivo de destruir a União Europeia, a zona euro e a moeda única.
O extremista grego já experimentou do seu próprio veneno e é um dos maiores derrotados do ano que agora acaba. Chegou ao poder em Janeiro idolatrado pelos que odeiam a austeridade, isto é, a contensão de custos dos Estados, o crescimento da economnia e do emprego. Apoiado pelo mediático fanfarrão Yanis Varoufakis tentou vergar Merkel e o seu ministro das Finanças Wolfgang Schäuble. Acabou humilhado, a defender o mais rigoroso e duro plano de resgate para o seu país. O fanfarrão de Janeiro teve, assim, uma saída de sendeiro quando em Agosto engoliu a austeridade, as reformas e a tão prometida reestruturação da dívida. A Grécia está na zona euro mas Tsipras não ganhou o céu alemão: está em liberdade condicional, rigorosamente vigiado. A sentença foi dada pela própria Merkel quando no Bundestag defendeu o plano de resgate mas afirmou categoricamente aos deputados alemães: “Perdemos a confiança na Grécia”.
A mãe dos refugiados
Acabou o drama grego e agravou-se a chamada crise dos refugiados. Fruto de políticas erráticas dos Estados Unidos, França e Reino Unido, que abraçaram as primaveras árabes em 2011, o Médio Oriente e o Norte de África ficou à mercê de toda a sorte de extremistas, da Al-Quaeda à Irmandade Muçulmana, e, claro do Estado Islâmico. As correntes sunitas aproveitaram o embalo europeu e americano e atacaram em força os regimes autoritários da Tunísia, da Líbia, do Egipto e da Síria. Os resultados estão à vista e o enorme fluxo de refugiados a caminho da Europa é em grande parte fruto desse desvario ocidental. Verdade se diga que a voz na Alemanha não se fez nem faz ouvir em matéria de política externa da União Europeia. Mas as consequências dos erros alheios no Médio Oriente, em particular na Síria e no Iraque, caem em cima da Alemanha de Merkel com enorme estrondo.
Enquanto os 28 discutiam, e discutam, em desordem a sorte de milhares e milhares de refugiados que tentam chegar à Europa e em particular ao paraíso alemão, foi Angela Merkel a voz do exemplo e da solidariedade. Contra tudo e contra todos, dentro e fora da Alemanha, a chanceler alemã prometeu receber um milhão de refugiados por ano e explicou aos críticos da política de acolhimento que o seu país, um dos grandes beneficiários da globalização, estava agora a sofrer os seus efeitos mas era capaz de vencer o desafio. “Eles são muitos, muitos mesmos, mas nós somos 80 milhões e vamos conseguir fazer esta integração”. Uma fé que lhe pode custar o poder, com os seus adversários internos e externos a alimentarem uma extrema-direita agressiva, cada vez mais violenta, que ataca centros de refugiados e capta a simpatia de uma população dividida entre o medo e a solidariedade.
Mas Merkel tem vários pecadilhos. E um deles foi a Ucrânia. Aqui, na crise com a Rússia, veio ao de cima o espaço vital alemão, o mesmo que já levou o país ao inferno. Mas em 2016, como o foi em 2015, Merkel será ainda a senhora da Europa e a mãe dos refugiados.