É mais difícil fugir às coimas? Sim, e a culpa é da fotografia

É mais difícil fugir às coimas? Sim, e a culpa é da fotografia


A lei não mudou. Mas mudou a forma de notificar os condutores apanhados em excesso de velocidade. E isso faz toda a diferença para tornar o pagamento mais eficaz


Bastou incluir uma fotografia da matrícula do carro nas notificações enviadas aos condutores apanhados em excesso de velocidade para tudo mudar. Na prática, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária limita-se a cumprir a lei com mais rigor – e até a respeitar com mais cuidado os direitos dos cidadãos. Mas isso, para quem foi apanhado em excesso de velocidade, significa uma malha mais apertada e menos hipóteses de escapar ao pagamento das coimas.

Os condutores com maior rotina e currículo de autuações conhecerão melhor o procedimento: o papel da multa (o termo correto é coima, mas poucos são os que o usam) chegava a casa e, passo seguinte, o condutor ligava para o advogado para contestar a penalização.

O advogado, por sua vez, recorria a um formulário que já tinha guardado para ocasiões semelhantes e enviava-o para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), para que fosse mais específica na sua exposição. Nomeadamente, era pedido que se apresentassem comprovativos de que o carro do seu cliente tinha passado no radar e no dia em questão. Isto acontecia com excessos de velocidade detetados por “fiscalização indireta” – entenda-se, por radares fixos e móveis. Os próprios radares eram usados para protelar o pagamento das coimas: eram homologados? Por quem? Quando? A PSP responde agora a essas questões jurídicas com uma informação completa sobre os equipamentos. O autuado é informado imediatamente não só sobre o motivo da coima mas também sobre o modelo do aparelho em que foi detetado o excesso de velocidade e respetiva homologação.

O processo de contraordenação tem características semelhantes ao processo penal, explica ao i um advogado com experiência na legislação em causa. E o que significa isso de os processos terem as mesmas características? Simples: sem dados concretos sobre a acusação, o arguido não pode defender-se devidamente das práticas de que é acusado. Logo, o processo está inquinado.

Ora, estes pedidos de informações complementares podiam arrastar-se por algum tempo. Ao ponto de as coimas caducarem e o condutor sair impune, sem pagar a consequência da sua infração.

Apanhados pelo fotograma. É neste ponto que as fotos ganham relevância. A PSP – a quem cabe o levantamento de autos pelos excessos de velocidade que os radares da ANSR detetam – sublinha que não houve qualquer alteração legislativa. E que, nesse sentido, “não procedeu a qualquer alteração nas notificações dos cidadãos alvos de coimas por situações de excesso de velocidade”. De facto, a lei não mudou.

Mas houve uma ligeira mudança. “A única alteração relativa aos procedimentos até agora adotados residirá, além do automatismo na produção do auto, na remessa da fotografia (matrícula do veículo) captada no momento da infração, junto à notificação ao arguido”, esclarece a PSP, em resposta às questões do i. “Antes, não era prática regular [das forças de segurança] enviar o auto juntamente com o fotograma”, refere o mesmo advogado. É uma pequena mas significativa mudança.

Essa imagem da contraordenação enviada junto com o auto permitiu às autoridades cortar etapas na contestação às coimas. E, com isso, pôde tornar mais eficaz a cobrança dos valores em falta.

A ironia está precisamente aqui: ao garantir, à partida, todos os direitos que assistem os arguidos -, a PSP (e também, ainda que com menor relevância, a GNR) tornou a vida mais difícil aos condutores que pretendessem escapar ao pagamento das coimas com sucessivos pedidos de informações.

Esta mudança de atitude começou a fazer-se sentir no ano passado, numa altura em que o Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO) – desenvolvido no âmbito do Projeto Piloto para o Processamento Administrativo de Contraordenações – já estava a ser implementado em Lisboa, apesar de não estar ainda concluído. Com o programa, o governo pretendeu contribuir “de forma significativa para a redução da sinistralidade. Um objetivo que se alcançaria com recurso a radares de controlo de velocidade: 30 radares móveis em 50 pontos diferentes da capital (ver texto ao lado).

É neste contexto que se dá a mudança, com as autoridades apostadas em tornar o processo de notificação mais rigoroso. Como? “Identificando na notificação ao arguido os factos constitutivos da infração, a legislação infringida e a que sanciona os factos, as sanções aplicáveis, o prazo concedido e o local para apresentação da defesa e para apresentação do requerimento para atenuação especial ou suspensão da sanção acessória, a possibilidade de pagamento voluntário da coima pelo mínimo, a possibilidade de requerer o pagamento da coima em prestações e o prazo para identificação do autor da infração”, enumera a PSP. E a foto, claro.