Numa boa parte do mundo é muito difícil celebrar o Natal. Ele não é mesmo quando um homem quiser

Numa boa parte do mundo é muito difícil celebrar o Natal. Ele não é mesmo quando um homem quiser


Síria, Iraque, Líbia, Nigéria, Sudão do Sul, Quénia, Ucrânia.


China, Coreia do Norte, Índia, Paquistão, Egito, Arábia Saudita, Irão, Somália ou, mais próximos, Tunísia, Argélia e Marrocos.

Ser cristão nestes países – e seria possível fazer uma lista ainda mais extensa – não é fácil. Celebrá-lo religiosamente em público em muitas destas nações é impossível.

Apesar de tudo, no Natal há feriado no Paquistão e a maioria muçulmana aproveita o dia para festejar. O mesmo se faz na Índia ou na China: apesar de ser um dia normal de trabalho há decorações e a época é aproveitada comercialmente.

Este ano, até na capital do Iraque houve um esforço para diminuir a tensão entre muçulmanos e cristãos nesta quadra. “Fiquei contente por as pessoas estarem a celebrar connosco, desafiando o Daesh“ disse à Reuters uma professora cristã de Bagdade. “Mas é uma coisa verdadeira? Creio que não”.

A lei islâmica não dá sinais de abrandar, e na Somalia, Tajaquistão e Brunei a celebração do nascimento de Jesus foi este ano banida. Quem violar a lei arrisca sanções, que no Brunei podem chegar aos cinco anos de prisão.

Cristãos contra cristãos

Voltando às listas iniciais. Na primeira, todos os países estão a sofrer as consequências de conflitos armados. Na sua esmagadora maioria, aos combates junta-se a perseguição dos islamitas radicais aos cristãos. A exceção é a Ucrânia.

Vários templos e conventos têm sido destruídos no leste do país, e religiosos raptados, desde que a guerra civil rebentou em 2014. Ainda em fevereiro “mais de sessenta igrejas foram danificadas e dez destruídas durante os combates nas Dioceses de Donetsk e Horlivka” recorda um recente relatório sobre ‘Os cristãos oprimidos pela sua fé’ publicado pela fundação católica Ajuda à Igreja que Sofre.

Mas aqui os conflitos dão-se entre cristãos, à margem da batalha entre forças separatista pró-russas e ucranianas. Em 2014 escrevia Kiril I, o patriarca de Moscovo e líder dos ortodoxos russos: “Não podemos ignorar o facto de o conflito na Ucrânia ter conotações religiosas inequívocas. Os uniatos [referência à Igreja Greco-Católica, isto é aos católicos da Ucrânia] e os cismáticos estão a tentar dominar a Igreja Ortodoxa canónica”.

Em minoria

Na Síria, Iraque, Líbia, Nigéria, Sudão do Sul e Quénia, não é assim. No Iraque a antiga minoria cristã vivia em paz até à queda de Sadam Hussein, no início do milénio. Na Síria, uma das mais velhas comunidades do mundo e onde alguns ainda falam aramaico (a língua de Jesus), os cristãos foram diminuindo ao longo do séc. XX, mas estavam próximos das elites do país. Também na Líbia há cristãos desde tempos imemoriais. A situação piorou dramaticamente com o surgimento dos movimentos extremistas após a queda dos regimes ditatoriais iraquiano e líbio e o início da guerra civil síria. Se aqui a jihad chegou pelas mãos do Estado Islâmico, em África foi trazida pelo Boko Haram – na Nigéria, estendendo-se aos vizinhos Chade, Camarões e Níger – e pelo Al Shabaab – da Somália com crescentes ataques no Quénia.

“Numa altura em que o número de deslocados e refugiados atingiu máximos históricos, grupos islâmicos têm levado a cabo uma limpeza étnica de cristãos por motivos religiosos, designadamente em regiões de África e do Médio Oriente. Se esta situação continuar, a sobrevivência da Igreja nestas regiões está ameaçada” descreve o relatório já citado. A mesma análise faz a organização de direitos humanos Christian Freedom International.

Fuga no Sudão

Se no Quénia e na Nigéria as maiorias cristãs são o alvo preferencial dos fundamentalistas islâmicos, o outro país africano desta lista, o Sudão do Sul, é um caso à parte. Em 2011 o país tornou-se independente do Sudão, maioritariamente muçulmano ao contrário dos cristãos do sul, que são o maior grupo religioso do novo país. Pouco depois da independência rebentou uma guerra civil que começou numa disputa política e terminou numa luta fratricida entre os maiores grupos étnicos do novo Estado: os Dinca e os Nuer.

O flagelo tem levado a um êxodo de cristãos para o norte, para o Sudão, onde são severamente perseguidos. Como exemplo recorde-se o caso de Meriam Ibrahim que correu o mundo em 2014 quando foi condenada à morte, acusada de apostasia e adultério, por estar casada com um cristão. O escândalo internacional permitiu a sua libertação.

Perseguição sem guerra

Finalmente, China, Coreia do Norte, Índia, Paquistão, Egito, Arábia Saudita, Irão, Somália ou, mais próximos, Tunísia, Argélia e Marrocos. Entre outros. Aqui a guerra civil não varre o território, mas os cristãos estão em minoria e são perseguidos. Em muitos destes países têm de celebrar a sua religião clandestinamente. Thaddeus Ma Daqin, bispo auxiliar de Xangai, está há 19 meses em prisão domiciliária depois de recusar a Associação Patriótica Católica Chinesa – organização do estado chinês que supervisiona os católicos. Na página no Facebook de Mytreedom mostram-se as fotos com as caras borradas de cristãos que arriscam ter uma árvore de Natal em países do Médio Oriente. Pelo meio há notícias de ataques e até mesmo execuções – na Coreia do Norte. Em Marrocos, aqui tão perto, em 2014 o jornal espanhol “El Confidencial” publicou uma entrevista com Rachid, um evangélico que usa as redes sociais para doutrinar. Convertido, foi batizado “na casa de banho da casa de amigos. Na banheira”. Abandonou o país, em 2005.