China. Quem deixou crescer este gigante mortal?

China. Quem deixou crescer este gigante mortal?


A derrocada foi de tal forma massiva que das 76 pessoas que desapareceram quando uma montanha de entulho desabou sobre mais de 30 edifícios na cidade chinesa de Shenzhen, ontem ainda só tinha sido encontrado um corpo. 


Foi a primeira morte oficial resultante da tragédia, quase 48 horas depois do colapso e com mais de quatro mil indivíduos e centenas de buldozers a procurarem em contínuo um número de desaparecidos que começou nos 100 e que foi baixando porque, dizem as autoridades chinesas fazendo jus ao seu historial de diminuir as consequências das tragédias, afinal essas pessoas apareceram vivas.

“Por várias vezes detetámos sinais vitais, mas tudo o que tentámos foi em vão”, disse um bombeiro que ajudou a retirar o corpo à agência oficial de notícias Xinhua.

Cerca de 900 mulheres e homens conseguiram salvar-se: fugiram ou foram resgatadas pelas autoridades. Agora, além da busca pelos corpos encarcerados pelos detritos, o que se tenta perceber é como foi possível deixar crescer tão gigantesca pilha composta por terra retirada dos locais onde foram sendo construídos prédios e depositados restos de obras demolidas.

O “New York Times” escreve que até os condutores de camião que levavam os destroços “sentiam ansiedade quando viam a ‘lixeira’ a aumentar de volume”.

Shenzhen – localizada no sul do país, relativamente perto de Hong Kong e Macau – é uma das maiores cidades chinesas e um dos principais centros industriais do país. Aliás, foi aqui que começou a transformação da China rural para o atual colosso industrial. No final dos anos 70, o secretário-geral Deng Xiaoping escolheu a pobre Shenzhen para dar corpo à sua ideia de ‘socialismo de mercado’. Passou de uma cidade pobre com cerca de 30 mil habitantes para um colosso onde se estima viverem 12 milhões de pessoas, vindas das zonas rurais pobres e atraídas pela pujança industrial.

O crescimento da montanha de detritos foi inacreditavelmente rápido: em dois anos foram sendo empilhados junto a uma encosta de 100 metros que já existia na cidade, avançou o ministro chinês da Terra e Recursos Naturais. A queda, acrescentou, deveu-se às chuvas fortes que saturaram os terrenos, tornando-os instáveis e levando-os a espalharem-se por uma área de cerca de 300 mil metros quadrados enterrando um parque industrial com fábricas, áreas residenciais e dormitórios de trabalhadores fabris. Em determinados locais atinge uma profundidade de 10 metros. “A pilha era demasiado grande, demasiado inclinada, levando à sua instabilidade e colapso” declarou.

“Despejavam entulho dia e noite” conta um dos afetados ao NYT, dando só o primeiro nome com medo de represálias por estar a falar com meios de comunicação estrangeiros. Adianta ainda que houve queixas por a montanha de restos estar a crescer sem controlo, mas que “o governo fechou os olhos”.

Segundo a Associated Press, as autoridades da cidade já tinham o problema identificado, mas nada fizeram a tempo. Segundo a agência de notícias, que cita a imprensa local, em janeiro um relatório relatava que a lixeira já tinha recebido cerca de um milhão de metros cúbicos de destroços e terra e avisou para a possibilidade de “catástrofe”.

A Xinhua adianta que não é fácil perceber a quem coube a responsabilidade de a aprovar, nem saber quem a geria. O NYT escreve que os cidadãos não se vão contentar com o passar culpas habitual, mas é grande a probabilidade de que esta fique mesmo soterrada nos milhares de metros cúbicos de terra vermelha.