Zomba Prison Project. O som das prisões do Malawi

Zomba Prison Project. O som das prisões do Malawi


Um grupo de reclusos do Malawi está nomeado para o Grammy de melhor álbum de músicas do mundo. Uma noticia histórica, que o mais provável é ainda não terem recebido


Não é fácil chegar aos seus nomes, não os encontramos escritos nas primeiras linhas em lado nenhum, mas mais difícil ainda é conseguir chegar a eles. São  homens, alguns a cumprir penas de prisão perpétua por homicídio,

e algumas  mulheres, várias condenadas por feitiçaria. Mas as penas que cumprem são o que menos importa agora que todos têm algo melhor
em comum. E que não é pouco. 

De uma prisão em Zomba de onde vários nunca sairão na vida, 16 reclusos, que se juntam sob o nome Zomba Prison Project, escreveram e gravaram
o álbum “I Have No Everything Here”, lançado em Janeiro passado e agora nomeado para o Grammy de melhor álbum de músicas do mundo, ao lado de “Gilbertos Samba ao Vivo” (Gilberto Gil), “Sings” (Angelique Kidjo), “Music From Inala” (Ladysmith Black Mambazo com Ella Spira & The Inala Ensemble) e “Home” (Anoushka Shankar). Uma nomeação histórica, já que são os primeiros músicos do Malawi a concorrer ao prémio, mas de que provavelmente ainda não terão sido informados.

“Fiquei em choque, absolutamente em choque… Os outros quatro artistas nomeados têm todos um passado de décadas, por isso ver este grupo de pessoas completamente desconhecidas de um país menos conhecido ser reconhecido é avassalador”, disse ao “Guardian” o produtor Ian Brennan. É também ele que diz ter dúvidas sobre se os prisioneiros terão recebido a notícia, uma vez que qualquer comunicação com eles tem que passar pelo comissário da prisão ou as organizações locais.

Tudo começou no Verão de 2013, quando Ian Brennan, que tinha já produzido “Tassili”, dos argelinos Tinariwen, já vencedor de um Grammy na mesma categoria, em 2012, chegou àquela prisão do Sul do Malawi com um projecto de gravar um disco com um grupo de presos.

Quando diz que é provável que não tenham sido informados da nomeação, Brennan sabe bem do que fala. Para conseguir trabalhar com os reclusos da prisão de Zomba foi preciso enviar “um milhão de papéis” até conseguir, com sua a mulher, Marilena Delli, que o acompanhou no projecto, ter acesso à prisão.

Sobre o que viram em Zomba não podem contar muito (as fotografias, por exemplo, só estavam autorizadas em certas partes do centro de detenção). “Há uma enorme diferença entre a ala masculina e a feminina”, segundo o produtor,
que contou que “os homens tinham uma banda organizada e foram muito específicos sobre como queriam ser gravados”. E que as mulheres, por outro lado, “são deixadas sem instrumentos, excepto baterias feitas de baldes, e pediram para não escrever canções”. Mas foram essas mesmas mulheres que, com muito encorajamento, “acabaram uma por uma por aparecer com temas muito pessoais”, como é o caso de “I Kill No More”.

Destaque também para “Don´t Hate Me”, “Prison of Sinners”, “I See the Whole World Dying of AIDS” e “Please, Don’t Kill My Child”. É ouvir. Até porque, como acontece com as más, também uma boa notícia nunca vem só (esperamos nós)
e depois da notícia do Grammy, o álbum entrou para top das sugestões de músicas do mundo do iTunes.

claudia.sobral@ionline.pt