Produtores protestam. “Vamos deixar os porcos morrer à fome?”

Produtores protestam. “Vamos deixar os porcos morrer à fome?”


Embargo russo, crise em Angola e grande distribuição são os principais motivos paraa crise que ameaça 40% da produção suína.


“Coma o que é nosso”. Esta foi a frase escolhida pelos suinicultores nacionais para chamar a atenção dos portugueses para os problemas que estão a afectar o sector. A reacção das pessoas? Começaram a comprar mais carne de porco nacional. No entanto, o cenário continua a ser “dramático”.

De acordo com os dados que Vítor Menino, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores (FPAS), forneceu ao i, este esforço para comprar mais carne nacional é uma ajuda que agradecem, mas que não tem estado a ter todo o efeito desejado.

“As pessoas estão, de facto, mais atentas e disponíveis para ajudar, mas não está a funcionar. As grandes superfícies aumentaram os preços por quilo de carne, mas para os produtores continuam a ver o mesmo valor. Eles é que aumentam a margem de lucro”, alerta o presidente da FPAS.

A situação é “tão grave” que se têm repetido os mais variados acções e chamadas de atenção. “Temos protestado, mas também temos feito campanhas de sensibilização: uma delas foi oferecer carne de porco grelhada no Parque das Nações. São iniciativas que vão continuar a acontecer”, avisa Vítor Menino. 

Está em causa grande parte do sector, são 40% das explorações que estão em risco de fechar. Uma situação que pode liquidar 200 mil postos de trabalho. Apesar de Portugal ser deficitário na produção de carne de porco, mesmo assim, os suinicultores portugueses têm sentido grandes dificuldades em escoar o que produzem. 

Mas esta não é a única dificuldade que os suinicultores garantem estar a encontrar: há queixas quanto ao baixo preço que é pago aos produtores. No caso da carne de porco, os custos de produção ascendem a 1,50 euros por quilo e o mesmo quilo é vendido a um euro. Os produtores estão a perder dinheiro a trabalhar, o que torna a situação deste sector da economia insustentável.

“As propostas de Bruxelas não vão alterar nada. Vai continuar tudo na mesma. No máximo, em vez de perdermos 40 euros num porco, um produtor vai perder 35. Mas continua a perder demasiado”, lamenta Vítor Menino, que não tem dúvidas de que muitos produtores deixaram há muito de ter dinheiro para alimentar os animais.“O que se recebe não chega para pagar a alimentação. Muito menos medicação e vacinação. Vamos deixar os porcos morrer à fome?”, queixa-se.

As situações que mais contribuíram para esta crise foram “o embargo russo”, a crise em Angola e também o facto de todo o sector, nomeadamente a fixação dos preços pagos ao produtor, “estar, em grande parte, nas mãos da distribuição”, segundo garante o produtor.

Porcos da casa não fazem milagres. Há uma coisa terrível em Portugal e que não é fácil de compreender: Portugal paga mais ao porco importado que aos produtores nacionais: em média o quilo da carne de porco portuguesa custa 1,05 euros, enquanto o mesmo quilo vindo de Espanha, custa 1,34 euros. O ridículo é que até há situações em que os porcos portugueses vão para Espanha para depois voltarem para Portugal”, exemplifica.

OS PREÇOS MAIS BAIXOS DA EUROPA “São vidas inteiras de trabalho. Não são só os porcos que podem começar, em breve, a morrer à fome, os próprios produtores também. Aliás, ainda na semana passada fechou uma fábrica de ração em Arraiolos”, sublinha ainda.

Uma das questões que os produtores colocam é o preço à produção que Portugal pratica. Estes trabalhadores pretendem que Portugal não continue a ter preços mais baratos do que Espanha, apesar de ser deficitário na produção de carne de porco. De acordo com os dados do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP), do Ministério da Agricultura, publicados em Novembro, a cotação média nacional do porco voltou a cair em relação a 2014. 

No entanto, não houve diminuição no número de abate de suínos para consumo. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em comparação com os dados do mesmo período do ano anterior, o número de suínos abatidos e aprovados para consumo público aumentou todos os meses, entre Janeiro e Agosto deste ano, sendo o nível mais alto em Junho, de 13,1%.

 Mais há mais uma questão: Portugal continua à espera de saber se vai ou não começar a exportar para a China. “São coisas que levam algum tempo, mas era bom. Não resolvia tudo mas ajudava”, adianta Vítor Menino. 
No geral, entre Janeiro e Julho, as exportações portuguesas para a China atingiram parte de 600 milhões de euros, valor que traduz um aumento de 19%, face ao período homólogo do ano anterior.

Apoios do governo e de Bruxelas O Gabinete de Crise da Suinicultura levou a cabo uma iniciativa junto dos consumidores. Um apelo ao aumento do consumo de carne que contou com a presença do actual ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, que já tinha estado reunido com a FPAS. Neste evento, Capoulas Santos comprometeu-se a reforçar medidas de fiscalização das práticas comerciais da grande distribuição, nomeadamente, no cumprimento da regulamentação da rotulagem.

Mas esta não é a única promessa. De acordo com o ministro da Agricultura, Bruxelas também já fez saber que vai apoiar, no início de Janeiro, a armazenagem privada de carne de porco e pediu um novo programa de ajuda aos sectores de crise. “Haverá a abertura, já no dia 4 de Janeiro, a uma nova armazenagem privada, isto é, os agricultores podem receber uma ajuda para ‘stockarem’ durante um determinado período a carne em excesso para que venha a ser relançada no mercado numa situação mais favorável”, explicou aos jornalistas, na sequência de uma reunião com o comissário europeu para a Agricultura, Phil Hogan.

Nesta intervenção, Capoulas Santos sublinhou ainda que a crise que se faz sentir em Angola e Venezuela – principais países para onde Portugal exporta carne de porco. “Estão como uma crise de pagamentos”, o que obriga Portugal a procurar novos mercados. “Tive oportunidade de solicitar ao comissário a necessidade de se equacionar um novo programa de apoio aos agricultores, porque tenho informação de que houve um excedente orçamental da União Europeia da ordem dos 1700 milhões de euros”, sublinhou ainda o ministro da Agricultura. Já a Comissão Europeia anunciou recentemente um pacote de medidas no valor de 500 milhões de euros para ajudar o sector agrícola.
Recorde-se que estão registados em Portugal cerca de quatro mil suinicultores industriais e 14 mil explorações.