Foi decidido pelo rei Abdullah em 2011, como sinal de abertura do regime perante a ameaça da Primavera Árabe qprosperava na vizinhança. Mas todas as condicionantes que acompanham a estreia das mulheres numa jornada eleitoral, nas municipais de hoje, mostram que a igualdade de género ainda é uma luz ao fundo do túnel na Arábia Saudita.
Foram muitas as barreiras encontradas pelas mulheres que decidiram participar, como candidatas ou simples eleitoras. Começando logo pelo registo: a lei ordena que estes sejam unissexo, mas foram criados três centros para homens para cada um dedicado às mulheres. A escassez, aliada à proibição de conduzir, afastou muitas das interessadas, como denunciava ontem a Human Rights Watch (HRW).
Para as que conseguiram lá chegar, as dificuldades não cessaram. Entre a vária papelada exigida pelas autoridades estava o comprovativo de residência. Outra dificuldade para quem não costuma ter direito a possuir propriedades nem sequer a pagar as contas de casa. A apresentação do cartão de identidade familiar, onde se conseguiria provar a relação com o homem proprietário, seria uma solução, não fosse habitual na sociedade saudita ser o homem a ter esse documento.
Como disse uma das resistentes à HRW, “se o homem não quiser que a mulher participe, basta negar-lhe a entrega desses documentos”. A boa vontade masculina resolveria o problema para as mulheres casadas – ou que vivam com familiares directos, como pais e filhos – mas não para as solteiras ou viúvas que tenham a propriedade registada em nome de um familiar mais distante, que não esteja incluído no cartão de identidade familiar. Essas ficaram definitivamente fora do processo eleitoral.
Como ficaram quase uma centena das 1071 mulheres que tentaram registar-se como candidatas a um dos 284 conselhos municipais. Umas nunca chegaram a saber porque foram rejeitadas, a outras foi-lhes explicado que se deveu à ligação com o movimento que em 2011 fez furor no Youtube em nome do direito a conduzir.
Entre as que conseguiram preencher todos os requisitos para se tornarem candidatas, há poucas esperanças na vitória. “O grande desafio é a tradição”, disse ao “Guardian” Lama Al Sulaiman, que em 2009 se tornou a primeira mulher a ser eleita para uma Câmara de Comércio e Indústria, em Jeddah. “As pessoas não estão habituadas à mistura de géneros. Ter mais mulheres nos locais de trabalho é o que faz a diferença – e isso melhorou nos últimos dois anos”, reconhece.
Se a diferença se faz pela mistura, não se fez durante a campanha. A lei eleitoral “impõe regras estritas de segregação sexual”, denunciava o comunicado de ontem da HRW. Os candidatos foram proibidos de se dirigir a eleitores do sexo oposto, sendo obrigados a recorrer a porta-vozes para se dirigirem separadamente a cada género. A restrição é válida para candidatos de ambos os sexos, mas torna-se uma desvantagem óbvia para as mulheres quando se constata que entre os eleitores registados há 10 homens para cada mulher. Para ajudar, alguns dos candidatos masculinos decidiram fazer uma campanha centrada no tema. “Apenas homens” é o slogan escolhido pelo conservador Abdulaziz Alfawzan, que tem dito aos seus eleitores que esta participação feminina “é um passo rumo aos valores ocidentais”.
“Será suficiente se apenas uma mulher conseguir ganhar”, disse ao “Guardian” o analista político, Abdelkhaleq Abdullah. Mais pelo simbolismo do que pela diferença que poderá fazer depois de eleita, pois os conselhos municipais têm um poder limitado – “mais sobre semáforos e pavimentos do que outra coisa”, como descreveu o “Independent”. Entre as promessas feitas numa campanha sem fotografias de candidatos estão a abertura de bibliotecas, centros de dia ou centros de reciclagem.
Apesar de tanta restrição, a esperança de que este poderá ser um dia importante na causa dos direitos femininos existe mesmo entre aquelas que se viram impedidas de participar. “Muitos pensam que estas eleições são apenas uma operação de charme de um governo que se quer mostrar reformista. Não interessa o que o governo quer. Interessa que posso usar isto para mudar algo. A mudança vai acontecer, a única questão é quanto tempo levará”, afirmou ao mesmo diário britânico Nassima al-Sada, uma activista de Qatif.