O que é que um jovem investigador, ainda por cima tendo vivido no estrangeiro a maior parte da sua vida profissional, poderia saber de educação? Confio que saiba e até que, vindo de fora, sem estar envolvido nos enormes lóbis tentaculares que sufocam a 5 de Outubro, possa ver as coisas de um modo diferente e imprima a mudança que se torna urgente. Assim saiba escutar os especialistas, que não são apenas os sindicatos dos professores ou as associações de pais, mas os pediatras, psicólogos, pedagogos, alunos e muitas pessoas com provas dadas e experiência adquirida. Acredito que sim e que termine aqui um ciclo de desfasamento entre as ideias ministeriais e o que são, verdadeiramente, as necessidades educativas das crianças e jovens portugueses.
Em primeiro lugar, e não é apenas um problema de semântica, creio que o ministério se deveria chamar Ministério do Ensino-Aprendizagem e não da Educação. Educar pressupõe, de um lado, alguém que sabe muito e, do outro, um “coitado” que pouco sabe, num movimento unidireccional da transmissão de informação, poucos conhecimentos e escassa sabedoria. Ensinar e aprender, na minha opinião, comporta uma relação em dois sentidos, mesmo que um seja o docente e o outro o discente, para lá de incluir os outros intervenientes do espaço escolar: auxiliares, contínuos, cozinheiros, empregados de limpeza, porteiros, etc. Quem ensina também aprende, pelo que a aula seguinte já será diferente, e quem aprende também ensina, se se habituar a ser interventor, questionar, pôr o dedo no ar, interrogar o mestre.
A escola coloca-nos problemas de consciência, filosóficos, conceptuais e práticos. Como tudo, aliás. Mas… que esperamos nós da escola? Existirá uma escola ideal? A que temos é suficientemente boa?
Para quê a escola se as crianças são felizes no seu dia-a-dia néscio e quando lhes é ainda difícil entender que há um futuro para além do fim-de-semana que vem, quando a base estrutural é frequentemente pouco entendida nos seus objectivos e maçadora nos seus conteúdos? Há, pois, que arranjar uma forma de transmitir e incutir uma ideia de escola que seja minimamente lógica e lúdica. Muitos dos insucessos educativos começam aí: na incompreensão das razões da escolaridade e de certas matérias, quantas vezes ensinadas de forma totalmente desligada dos assuntos correntes da vida da criança, o que se torna ainda mais evidente numa sociedade que muda a uma velocidade desconcertante, com novos elementos como as tecnologias de informação, redes sociais, som e imagem.
Este aspecto faz-me lembrar outro: a necessidade de pensar que a escola seja parte integrante da vida da criança, assumindo como dever descobrir talentos e competências, detectar fragilidades, tentar dar informação, conhecimentos, mas sobretudo transmitir sabedoria que seja geral e sólida, boa para todos, mas respeitando que uns podem ser melhores do que os outros, e isso não deveria ser explicitamente denunciado na praça pública. Informação existe, melhor, na internet. Sabedoria, como resultado da experiência de vida, existe nas pessoas e, de alguma forma, nos livros.
O sistema avaliativo que aponta e penaliza os erros sem valorizar o que se conseguiu de positivo em nada ajuda ao processo desejável de aperfeiçoamento e de rigor, o qual só será feito com a identificação do erro numa perspectiva de o entender, corrigir e de não o repetir – é por isso que os alunos que têm tantos testes e provas durante o ano não precisam de exames finais, que nada avaliam e que beneficiam os que têm mais facilidade para se preparar para o “momento do penálti”. Isto prende-se com outro cancro do sistema: os rankings, os quadros de honra (que honra?) ou de excelência, que deveriam ser imediatamente abolidos.
Outro aspecto tem a ver com os ritmos de ensino, as longas aulas em que os alunos têm de estar quietos e calados, em que não se respeita nem a biologia nem a psicologia das crianças. Há professores e professores, mas ainda se registam muitos casos de docentes papagueando temas e veiculando informação, como se abrir a cabeça às crianças e enchê-la de dados fosse o passaporte para uma vida feliz.
Uma palavra sobre a descoberta de talentos e competências sociais e humanas que não têm nota – o actual sistema é ínvio porque conduz, desde o início, à conclusão de que a performance académica é a única que interessa. E claro, não esquecer o ambiente, visto de forma lata, que tem de ser acolhedor, feito à medida das crianças e não apenas dos professores, onde a exploração dos limites do corpo e do físico possa ser exercitada sem perigos, mas com riscos controlados. Um ambiente de qualidade, a todos os níveis (ético, relacional, estético, ecológico, de segurança), que desenvolva o civismo e a cidadania.
Muita coisa há a rever no sistema de ensino. O que desejamos dele? Que pessoas, profissionais e cidadãos queremos formar? Monolíticos ou eclécticos? Para o futuro (mesmo que cheio de pontos de interrogação) ou a pensar num passado que não se repetirá e produziu tantos erros? E os trabalhos para casa? E as actividades de enriquecimento curricular? E o recreio, espaço tão importante como a sala de aula? E os recursos humanos que não são só os professores? E as casas de banho, os refeitórios, as bibliotecas, os espaços desportivos? E tanta coisa mais que a dimensão desta crónica não permite abordar…
Muita coisa que o novo ministro terá de abordar, para lá dos contenciosos repetitivos com os professores. Desejo–lhe sorte. Acredito que possa levar o barco a bom porto, mesmo que eu, por formação, na regata de Abril torça por Oxford e o senhor ministro, seguramente, por Cambridge.
Pediatra, escreve à terça-feira