Garrincha, a estrela solitária. Plata o plomo?


Garrincha nunca trata os laterais por Joões nem joga o Mundial-58 por pressão.


Plata o plomo? Na Colômbia, é assim.Cortesia PabloEmilio Escobar Gaviria. Seja Lisboa, Barca, Queijas, o narcotráfico está presente. Nas nossas cabeças, claro. É o que dá ouvir Narcos para aqui, Narcos para ali. É melhor ir “masé” de férias. E para a Colômbia. Levamos a autobiografia de Garrincha na bagagem. Um calhamaço de 500-e-tal páginas, útil para intimidar até Escobar.Sim, esse. Seja em Cartagena, Medellín,  Bogotá ou Salento, em plena zona cafetera. Com Garrincha nas mãos, ninguém se mete connosco. Ai não.

Ainda hoje se desconhece a quantidade de filhos. Catorze são-lhe atribuídos oficialmente, 11 meninas e três meninos. Será do guaraná? Ou apenas rumores misturados com má-língua e salpicados com especulação? Que ninguém duvide: ele diverte e diverte-se com o futebol. Em forma, o relvado é um circo e a bola um animal obediente, enquanto os adversários (os Joões, como ele os apelida) esbarram uns nos outros.

Stooooooop. Acaba aqui o mito. Garrincha nunca, nunca, mas nunca mesmo, apelida de João a um dos laterais-esquerdos da sua imensa vida. É uma invenção da imprensa, mais concretamente de um amigo jornalista de Garrincha, um tal Sandro Moreyra, enviado-especial ao Botafogo. Plomo para ti, ò Sandro.

Bom, adiante. Continuamos a ler e a deliciar-nos. O Anjo das Pernas Tortas, numa alusão à diferença de seis centímetros entre a perna esquerda e a direita (ambas arqueadas), é o verdadeiro herói brasileiro no Mundial-62. Os seus dribles desconcertantes enchem estádios e levantam multidões. De tão abusado que é, com fintas incríveis, muitas vezes repetidas frente ao mesmo adversário, o seu futebol leva o selo autenticado de Alegria do Povo e disso se aproveita o Brasil para ganhar uma hegemonia internacional, até então nunca alcançada. 

Com Pelé e Garrincha, a selecção brasileira não perde um único dos 59 jogos entre 1955 e 1966. Pelo meio, dois Mundiais conquistados. Antes de 1962, já citado, o de 1958, na Suécia, quando o psicólogo da comitiva brasileira (João Carvalhaes) o afasta do onze titular “por carências no plano intelectual”. Na sequência do 0-0 com a Inglaterra, os restantes jogadores fazem tanta pressão junto do seleccionador Feola para a entrada de Garrincha… 

Stooooooop. Acaba aqui o mito. Não houve pressão sobre Feola nem ninguém. Sim, é verdade, o psicólogo não “bota” fé, sobretudo depois de Garrincha tirar um 38 no teste de QI – valor insuficiente para tirar sequer a carta de condutor de autocarro. Mas Garrincha não joga com a Áustria porque adopta o 4-4-2 nem com a Inglaterra porque o lateral-esquerdo é mau como as cobras. Vai daí, o jogo ideal para estrear Garrincha, segundo os “cartolas” (dirigentes), é o terceiro da fase de grupos. Puuuum, plomo para a URSS.

“Estrela solitária – Um brasileiro chamado Garrincha” é de Ruy Castro. Obrigado Mike.

Editor de desporto
Escreve à sexta